Volume 66, Número 4Julho/Agosto de 2015

In This Issue

Ferozkoh: Renovando as obras do Turquoise Mountain - Escrito por Lee Lawrence - Fotografias cortesia do Turquoise Mountain Institute
leighton house museum

O Afeganistão é considerado como

Escrito por Lee Lawrence
Fotografias cortesia do Turquoise Mountain Institute

Khwaja Qamaruddin Cheshti, que detém um mestrado em literatura afegã pela Universidade de Cabul, ensina caligrafia.
Khwaja Qamaruddin Cheshti, que detém um mestrado em literatura afegã pela Universidade de Cabul, ensina caligrafia. Imagem do título, no alto: Este detalhe mostra parte de uma tela grande padronizada conhecida como uma jali. Produzida por uma equipe de 14 mestres e alunos do Turquoise Mountain, ela foi inspirada por uma pedra Mughal jali do século XIII e foi exibida nas exposições "Ferozkoh" em Doha e Londres.

É difícil criar arte em isolamento", diz o mestre calígrafo Khwaja Qamaruddin Cheshti. O artista "precisa estar rodeado de obras mais antigas, e talvez ele combine suas habilidades com a inspiração que encontra em peças mais antigas".

Cheshti fala através de um intérprete do Turquoise Mountain Institute for Afghan Arts and Architecture (Instituto Turquoise Mountain de artes e arquitetura afegãs) em Cabul, no Afeganistão. Um forte restaurado do século XIX na histórica vizinhança Murad Khane com suas alcovas cobertas com arcos delicadamente pontiagudos é um cenário perfeito para falar sobre as duas semanas que ele e mais de uma dúzia de artistas e artesãos afegãos passaram em Doha, no Catar, no Museu de Arte Islâmica ou Museum of Islamic Art, mia, onde Cheshti redescobriu esta antiga verdade. 

Suas experiências resultaram na exposição "Ferozkoh: Tradição e continuidade na arte afegã (Ferozkoh: Tradition and Continuity in Afghan Art)" que uniu obras contemporâneas do Turquoise Mountain a obras-primas de quatro dinastias muçulmanas históricas com laços estreitos com o Afeganistão. Este diálogo entre o novo e o antigo colocou a arte afegã em um palco mundial e marcou um momento culminante em seu constante revigoramento. 

Uma aluna de pintura, no alto, preenche uma composição geométrica de 16 pontos. Tudo baseado no rico e colorido patrimônio artístico do Afeganistão.
Entalhando entre suas linhas guia, um aluno de escultura em madeira no Turquoise Mountain Institute for Afghan Arts and Architecture (Instituto Turquoise Mountain de artes e arquitetura afegãs) em Cabul esculpe um arabesco floral de oito pontos.
Uma aluna de pintura, no alto, preenche uma composição geométrica de 16 pontos. Acima: Entalhando entre suas linhas guia, um aluno de escultura em madeira no Turquoise Mountain Institute for Afghan Arts and Architecture (Instituto Turquoise Mountain de artes e arquitetura afegãs) em Cabul esculpe um arabesco floral de oito pontos. Tudo baseado no rico e colorido patrimônio artístico do Afeganistão.

Ferozkoh é a palavra, tanto em Dari quanto em Pashto, as principais línguas do Afeganistão, para "Turquoise Mountain", a capital cosmopolita do Afeganistão central da Dinastia Ghuridi do século XII e perdida há muito tempo. Em 2006, para apoiar as artes do Afeganistão e ajudar a revitalizar a antiga cidade de Cabul, o autor e político britânico Rory Stewart estabeleceu o Turquoise Mountain Trust com o apoio do Presidente afegão,
Hamid Karzai, e o Príncipe Charles da Inglaterra. Desde então, o Turquoise Mountain se transformou na principal escola e oficina do país para artes tradicionais, onde mestres-artesãos e artistas treinam alunos, homens e mulheres, em trabalhos em madeira, cerâmica, joalheria e lapidação de pedras preciosas, caligrafia e pintura em miniatura.

O mestre de marcenaria de 86 anos, Abdul Hedy, no passado criou peças para Zahir Shah, o último rei do Afeganistão.
O mestre de marcenaria de 86 anos, Abdul Hedy, no passado criou peças para Zahir Shah, o último rei do Afeganistão. Agora, seus alunos, abaixo, lidam com um projeto em seu estúdio em Cabul.

A exposição "Ferozkoh", que foi inaugurada no mia em março de 2013 e levada ao Leighton House Museum em Londres no outono do mesmo ano, deu aos artistas do Turquoise Mountain a oportunidade de passar dos projetos por encomenda e produção em série para a criação de obras de arte únicas. Belamente exibidos no mia e no Leighton House, os resultados transitaram por vários séculos: Os brincos de ouro, criados pela residente de Cabul Monawarshah Qodousi, de 28 anos, pareciam flutuar ao lado de um veludo com uma estampa similar do século XVI da dinastia Safavid; uma pilastra incrustada em madeira por uma equipe de 11 artistas se elevava juntamente com um merlão de terracota, ou seção central, de uma muralha da era Gaznévida do século X ou XI; quatro placas florais de mármore incrustadas se inspiravam nos motivos de uma miniatura Mughal. O próprio "Noventa e nove nomes de Deus" de Chesti fez referência a uma escultura de madeira Timúrida do século XV.

Agora, seus alunos, abaixo, lidam com um projeto em seu estúdio em Cabul.

A exposição em Doha apresentou 37 obras de alunos e professores do Turquoise Mountain, e cada trabalho foi emparelhado a uma obra-prima do mia. Cerca de metade desse número apareceu na exposição em Londres.

As sementes de "Ferozkoh" foram plantadas em 2006, quando a historiadora de arte Leslee Michelsen assumiu o cargo de professora de história da arte islâmica no instituto recém-fundado. "Eu estava extremamente frustrada", diz Michelsen. O governo Talibã e a guerra destruíram grande parte da coleção de arte do Museu Nacional, e viagens de campo a locais históricos remotos eram perigosas e caras. "Então, ainda que eu estivesse sentada neste país incrivelmente rico artisticamente" diz ela, " ironicamente, eu não podia compartilhar suas riquezas com os alunos, muitos cujos antepassados haviam produzido aquelas obras".

Avancemos para 2011. Michelsen, então chefe do departamento de pesquisa e curadoria do mia, deu a ideia de uma pequena exibição das obras dos artistas do Turquoise Mountain, que seriam convidados para a abertura. Do diretor do mia Aisha Al Khater ao restante da equipe, a reação foi tão entusiasmada que quando uma grande exposição acabou não dando certo, Michelsen arquitetou um plano ousado e até mesmo arriscado: convidar os artistas do Turquoise Mountain para uma temporada mais longa, e deixar a exposição seguir seu curso até ser transferida para a coleção do museu.

Em junho de 2012, 15 alunos e professores do instituto viajaram para Doha. "Nós sabíamos que queríamos que eles reagissem às nossas obras", afirma Michelsen, "mas não estávamos realmente certos sobre que forma isso tomaria".  

Algo estava claro: O museu não estava interessado que os artistas "reproduzissem as peças que vissem, mas, que ao invés disso, colocassem um novo toque, uma nova dinâmica sobre as mesmas," explica Deedee Dewar, que dirigiu o centro de ensino da arte do mia. O ato de copiar é valioso para a construção da habilidade, observa ela, mas as artes do Afeganistão não seriam tão variadas e ricas se não tivesse existido sempre um processo interativo e criativo em execução através dos séculos. 


Um artesão une pedaços finos de madeira em hexágonos que foram unidos posteriormente a pentágonos para construir "bolas de jali."
"Bolas de jali", acima, que ficaram penduradas na sala da cúpula árabe no Leighton House Museum, como parte da exposição
Acima: arthur clark
No alto: Um artesão une pedaços finos de madeira em hexágonos que foram unidos posteriormente a pentágonos para construir "bolas de jali", acima, que ficaram penduradas na sala da cúpula árabe no Leighton House Museum, como parte da exposição "Ferozkoh", onde complementaram uma parede de azulejos de Damasco.

Para fazer isso, os artistas do Turquoise Mountain primeiro estudaram e manusearam as obras-primas de perto. Eles puderam sentir o peso e a espessura de um vaso de cerâmica do século VIII ou passar seus dedos sobre as esculturas de um painel de madeira secular. Enquanto um artista examinava a parte inferior de uma taça de bronze, outro olhava através de um microscópio para inspecionar os pigmentos e o uso do pincel em uma pintura em miniatura.

"Estar fisicamente diante de uma obra, nos permite analisá-la sob diferentes perspectivas. Podemos analisar a qualidade, a textura", diz Abdul Matin Malekzada, responsável pelo departamento de cerâmica
no Turquoise Mountain. Ver apenas as fotos, observa, "não chega nem perto".

A coleção no mia exalava "um tipo de poder, um tipo de energia", diz ele. "Eu fiquei chocado ao ver peças tão antigas tão bem feitas. Hoje, temos melhores instalações, mas não podemos fazer peças tão belas". 

A equipe do museu observou que à medida em que os artistas exploravam a coleção, eles tendiam a voltar para as obras do Afeganistão. "Isso faz total sentido," Michelsen diz. Aquilo lhe deu a ideia de organizar a exposição "Ferozkoh" em torno de quatro dinastias muçulmanas que governavam todo ou partes do Afeganistão. Em um primeiro momento, no entanto, ela e seus colegas do mia estavam decididos a ajudar os artistas a saltarem da admiração para a inspiração.

É aí que entra Dewar. Dewar, que fala com um forte sotaque escocês, entregou aos visitantes esboços cujas páginas foram texturizadas, folheadas a ouro ou enrijecidas para "que pudessem ser maltratadas," diz ela. Ela até fez com que rasgassem um buraco em uma página para ver o desenho através do próximo furo e, consequentemente, talvez até desencadear uma conexão inesperada. Em outros momentos, eles se viram desenhando em lenços de papel "para que refletissem sobre camadas", explica Dewar.

Ela também encorajou joalheiros a experimentarem com madeira, ceramistas a pensarem em metal e pintores a considerarem a argila, "para mostrar-lhes que há uma centena de formas de abordagem de um único objeto", diz ela. E quando eles faziam um esboço, ela lhes dizia para gravar suas reações: um detalhe que os surpreendera, uma forma que os encantasse ou intrigasse, ou uma variação na composição ou forma que pudessem querer experimentar.

No princípio, alguns não sabiam como reagir. Isso ocorreu pois Dewar estava "adicionando um novo modo de pensar", conforme descrito pelo mestre entalhador Naser Mansori. Mas um dia, recorda Dewar, um esboço levou a outro, e então outro e outro: Os artistas começaram a entender como as ideias germinam e crescem no que ela chama de "processo orgânico por trás de um design realmente bom".

Uma aluna de pintura, no alto, preenche uma composição geométrica de 16 pontos. Tudo baseado no rico e colorido patrimônio artístico do Afeganistão.
Entalhando entre suas linhas guia, um aluno de escultura em madeira no Turquoise Mountain Institute for Afghan Arts and Architecture (Instituto Turquoise Mountain de artes e arquitetura afegãs) em Cabul esculpe um arabesco floral de oito pontos.
TINA HAGAR PARA TSFBO/TMI.
No alto: Storai Stanizai lapida uma pedra preciosa e, acima, aplica os últimos retoques em uma das joias criadas por ela. Inicialmente uma aluna de pintura em miniatura e caligrafia, ela mudou para joalheria e agora, com frequência, combina os dois meios. Abaixo, à direita: O mestre-joalheiro, Abdul Azim, trabalhando no estúdio em Cabul.
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No museu e em viagens de campo para locais ao redor de Doha, os artistas foram expostos também à arte moderna em suas várias formas, e embora isso de início possa ter parecido desconexo, ao fazê-lo eles estavam na verdade tocando em uma prática secular. A historiadora de arte Heather Grossman, da Universidade de Illinois Urbana-Champaign comenta que um museu é um repositório, semelhante, digamos, ao tesouro de um tribunal ou mesquita medieval, um antigo armazém comercial, a sepultura de um comerciante rico ou até mesmo um mercado ao longo de uma movimentada rota comercial. Ela compara a experiência em um museu ao acesso ocasional de um pintor de retratos afegão à biblioteca de seu patrão, ou de um oleiro cujo irmão permite que ele espie o interior de um armazém comercial, ou um escultor de madeira ou joalheiro explorando os tecidos importados e trabalhos em metal em um mercado. 

As oficinas de Dewar também ecoaram outro processo tradicional,
um ao qual Ludovico V. Geymonat do Instituto de História da Arte Max Planck em Roma descreveu em uma edição de 2012 da revista Medieval Encounters. Ele alegou que o desenhista do século XIII Wolfentbüttel Musterbuch, considerou que o requintado livro medieval de modelos artísticos, não era exatamente uma cópia das estátuas que viu em suas viagens, porém um esboço de suas reações às mesmas, desse modo "exercitando a mão, a memória e a imaginação". Assim que voltou para casa, explica Grossman, o desenhista então, tomou como referência não os originais que chamaram sua atenção, porém as ideias que o inspiraram.


Durante seu tempo no mia, a pintora Fakhria Nezami do Turquoise Mountain de 26 anos seguiu as pegadas do desenhista. Ela se viu atraída várias vezes por um prato do Irã do século XV no qual um pavão foi retratado em esmalte azul-cobalto, arqueando sua cauda sobre seu corpo imitando a curvatura do seu pescoço esguio. Mais divertido do que resplandecente, o pássaro parecia pronto para beliscar a flor de uma árvore franzina. Nezami se recorda de ter pego seu caderno de rascunhos e desenhado o pavão não como aparecia, mas em poses e proporções diferentes. 

Em uma veia semelhante, um grupo de nuvens pintadas em uma taça do mesmo período levou o pintor Tamim Sahebzada e o joalheiro Mosawarshah Qodousi a colaborar em um grande pingente de prata em forma de nuvem. Tanto o pavão como as nuvens na taça, descobriu-se ser eles próprios releituras persas de produtos importados da China, e agora, séculos mais tarde, Nezami, Sahebzada e Qodousi estavam, por sua vez, brincando com eles.

Enquanto isso, o entalhador Mansori se uniu ao ceramista Malekzada. Inspirado pelos painéis de terracota esculpidos que ele havia visto em uma visita à obra-prima do século XII, o Minarete de Djam, que se acredita ser uma das poucas reminiscências sobreviventes da Ferozkoh histórica, Mansori há muito desejava tentar esculpir em argila. Malekzada estava eletrizado com a ideia de fazer uma esfera de cerâmica. Juntos, eles concordaram em usar um raro colar do século XII ou XIII de miçangas ocas de ouro com padrões formados de grânulos e repoussé como inspiração.

Após terminar seu curso de três anos de caligrafia e pintura em miniatura no Turquoise Mountain, Samira Kitman fundou a Muftah-e Honar (
Tamim Sahebzada, que se refugiou no Paquistão, quando os Talibãs controlaram Cabul, sua cidade natal, agora ensina caligrafia no Turquoise Mountain.
Um aluno de cerâmica molda a argila extraída das montanhas de Hindu Kush em um vaso que será colocado à venda para o público.
ACIMA: jason p. howe/turquoise mountain institute (tmi);
No alto: Após terminar seu curso de três anos de caligrafia e pintura em miniatura no Turquoise Mountain, Samira Kitman fundou a Muftah-e Honar ("A chave da arte") em Cabul, conquistando uma encomenda para fornecer 600 obras caligráficas e de iluminação pintadas a mão para o Anjum Hotel em Meca, Arábia Saudita. Ao centro: Tamim Sahebzada, que se refugiou no Paquistão, quando os Talibãs controlaram Cabul, sua cidade natal, agora ensina caligrafia no Turquoise Mountain. Acima: Um aluno de cerâmica molda a argila extraída das montanhas de Hindu Kush em um vaso que será colocado à venda para o público.

As duas semanas passaram voando conforme os artistas se revezavam consultando os funcionários do mia e uns aos outros. Então, de volta à Cabul, o verdadeiro trabalho começou. Em sua oficina, Malekzada experimentou com misturas de argila e temperaturas de queima. A melhor combinação, descobriu ele, era de 480°C com uma mistura de argilas das províncias de Logar e Parwan e sua nativa Istalif, um centro de cerâmica secular próximo a Cabul. Mansori, por sua vez, descobriu que "ao contrário da madeira, uma esfera é como um ovo, ela se quebra". Assim, ele modificou suas ferramentas, permitindo-lhe esculpir desenhos na circunferência e na parte superior.

Conforme experimentavam, os homens e as mulheres do Turquoise Mountain mantiveram-se em contato com Michelsen. Malekzada, por exemplo, enviou fotos de um experimento com esmalte turquesa. "O museu não gostou do brilho; queriam uma aparência natural", diz ele. Então, ele fez outra esfera de cerâmica, desta vez com um esmalte neutro sem queimá-lo. Mesmo isto sendo contra a tradição na qual Malekzada estava mergulhado, ele concordou em deixá-lo assim "pois é uma obra de arte". E, acrescentou, houve razões práticas: "Talvez a esfera se quebrasse com uma segunda queima. Ela ficou bonita. Por que se arriscar? 

Michelsen também revisou as interpretações preliminares de Nezami, e escolheu uma em que Nezami inverteu a composição do prato do século XV e retratou o pavão com uma conduta régia. Em sua pintura final, o céu é rico em dourado e o corpo da ave tem um azul profundo; sua cauda ocupa um terço da composição, como a suntuosa cauda de um vestido da nobreza.

"O museu teria gostado um fundo vazio", diz Nezami, "mas adicionei uma árvore e flores pois era um lugar natural para o pavão". Ela também pintou uma montanha ao longe com uma única árvore seca e sua aridez impregnando a cena com uma aspereza sútil. Nada poderia estar mais fora do tom de sua inspiração do século XV.

Ao descrever essa parte do processo, Michelsen diz que os artistas "discutiram alguns pontos, eu discuti alguns pontos, o habitual vaivém de uma exposição". Uma equipe, por exemplo, focou no padrão de intercalar estrelas e hexágonos que decoram a cúpula de um edifício em uma miniatura Safavid e decidiu recriá-la em um teto esculpido em madeira. Quando Michelsen viu pela primeira vez a escultura, ela disse "bonito, terminada!". 

Uma aluna de pintura, no alto, preenche uma composição geométrica de 16 pontos. Tudo baseado no rico e colorido patrimônio artístico do Afeganistão.
Entalhando entre suas linhas guia, um aluno de escultura em madeira no Turquoise Mountain Institute for Afghan Arts and Architecture (Instituto Turquoise Mountain de artes e arquitetura afegãs) em Cabul esculpe um arabesco floral de oito pontos.
TINA HAGAR PARA TSFBO/TMI.
Fakhria Nezami, no alto, estava entre os artistas do Turquoise Mountain que em 2012 visitaram o Museu de Arte Islâmica de Doha. Inspirada pelo design de um prato do século XV do Irã, abaixo, à direita, ela pintou "O pavão" para a exposição "Ferozkoh". Acima: Taqi Rezahy, de Bamiyan, exibe um medalhão com um padrão shamsa que simboliza o sol: A inspiração para a sua obra da exposição foram as páginas iluminadas do Alcorão de Shah Sulayman Safavi do século XVII parte inferior, à direita.
prato do século XV do Irã
páginas iluminadas do Alcorão de Shah Sulayman Safavi do século XVII.
placa e livro: leighton house museum.

Os artistas estavam perplexos. No Afeganistão, alegaram, os tetos nunca são deixados em branco. Os pintores deveriam agora preencher o centro com flores coloridas. Michelsen se mostrou relutante, eles insistiram e ela cedeu. E ela acrescenta rindo, "eu deveria tê-los escutado desde o início. Acabou se tornando uma obra de arte absolutamente gloriosa".

Em visitas a Cabul, Michelsen encontrou outra surpresa. Apenas cerca de metade dos artistas, cujo trabalho ela acabou escolhendo para a exibição, eram aqueles que haviam participado da visita à Doha. A ideia, o tempo todo, era de que aqueles que foram à Doha ao retornar, "agiriam como sementes", diz ela. Isto de fato aconteceu rapidamente, já que os artistas que participaram da experiência em Doha trabalharam em equipes junto aos colegas que não haviam participado.  

Mas nem sempre foi tão direto: A aluna do segundo ano Helai Habibi criou uma pintura de um elefante, e sua sensibilidade e criatividade conquistou seu lugar na exibição. Habibi não havia ido para Doha, mas um de seus professores, Tamim Sahebzada, havia, e é fácil observar no trabalho de Habibi sua conexão com "Um grupo de três camelos" de Sahebzada, que foi um resultado de seus experimentos após sua passagem pelo mia.  

Em sua pintura, Sahebzada desenhou os animais contra uma superfície folheada a ouro que ele texturizou com furos em milhares de pequenos pontos. Ele pintou o camelo central com uma aquarela utilizando lápis, animando sua superfície com círculos e arabescos quase imperceptíveis. Em sua pintura, Habibi colocou um único animal contra um fundo liso e, utilizando os melhores pincéis, expressou os tons de pele e tecido da sela com um pontilhado delicado, animado por vezes por círculos e ondulações.

Michelsen trabalhou com Habibi para identificar um objeto que combinasse bem com sua pintura para a exposição; elas concordaram em um bracelete Gaznévida que recordava os ornamentos representados no elefante. Mas Habibi demonstrava maior identificação provavelmente com o seu professor e, mais especificamente, suas reações aos objetos que ele havia visto em Doha.  

Mais uma vez, há um precedente histórico para isso. Quando os artistas medievais chegavam em casa, em suas oficinas, após as viagens ao exterior, eles voltavam mudados, diz Grossman. Eles haviam sido expostos às artes de outras culturas, e conforme pegavam o pincel ou cinzel, eles trabalhavam sob um novo e ampliado "conjunto de opções", explica ela. Conforme suas obras mudavam, seus colegas atentos percebiam e, a seu tempo, suas inovações inspiravam a outros que começaram a incorporar algumas destas novas formas e ideias "sem jamais terem ido ao exterior".

O Turquoise Mountain ("Ferozkoh") Institute de artes e arquitetura afegãs, o novo lar e uma peça central para artes tradicionais, fica em um forte remodelado do século XIX em Cabul na cidade antiga de Murad Khan, que já foi famosa por seu bazar e sua arquitetura, mas muito deteriorada por anos de guerra. 
bill pottenger/tmi
O Instituto Turquoise Mountain ("Ferozkoh") de artes e arquitetura afegãs, o novo lar e uma peça central para artes tradicionais, fica em um forte remodelado do século XIX em Cabul na cidade antiga de Murad Khan, que já foi famosa por seu bazar e sua arquitetura, mas muito deteriorada por anos de guerra. 


Durante a exposição, os visitantes podem ter sido perdoados por nem sempre saber que peça se tratava da histórica e qual era a contemporânea, uma vez que ambas eram de qualidade tão similar. "Ferozkoh" provou que seus professores, alunos e graduados poderiam criar não apenas obras de arte tradicionais, como obras inovadoras e únicas, combinando o respeito pela tradição com interpretação e criatividade. 

A base principal do instituto e de seus graduados, no entanto, continua a ser a busca por encomendas. É fácil ver o porquê: Malekzada diz que, por exemplo, com o tempo que levou para fazer a "Esfera de cerâmica trespassada" para a exposição, "Poderia ter feito 200 taças e pratos".

Sua maior encomenda até hoje chegou pouco depois da exposição "Ferozkoh" quando o proprietário do hotel Anjum em Meca, Arábia Saudita, encomendou cerca de 6.000 peças diferentes por cerca de US$ 600.000, diz Fuchsia Hart, que durante os próximos seis meses supervisionou o trabalho resultante de cerca de 30 artistas que produziram painéis de cerâmica, vasos, elementos arquitetônicos esculpidos em madeira e, obras caligráficas e pinturas. Para atender a encomenda do hotel, o instituto subcontratou uma parte do trabalho de Samira Kitman, formada no Turquoise Mountain, uma calígrafa cuja companhia produziu mais de 600 obras originais de iluminação e caligráficas pintadas à mão.

Thalia Kennedy, que dirigiu o Instituto Turquoise Mountain de 2007 a 2010 e que agora trabalha para o mia, afirma que, após a visita de Doha em 2012, "a qualidade do design realmente aumentou", particularmente na pintura em azulejos e em miniaturas. Ela aponta para um outro benefício, observando que "o processo de design e de produção, e aprender como responder a um cliente (em alguns aspectos, o museu também era), constrói o tino comercial aos artesãos". O mia desde então tem continuado com alguns workshops de duração de uma semana, ministrados em Cabul e um contrato pelo qual o Turquoise Mountain irá abastecer a loja do mia.

Três anos após a ida à Doha, os participantes continuam a falar de um experimento que ainda gostariam de tentar, uma obra que não conseguem esquecer ou uma prática que mudaram. Mansori hoje incorpora exercícios de esboços em suas aulas, e Malekzada reagiu com argila a um antigo prato de bronze com escrita Kufic. Encantado com os pavões que viu nas margens de um manuscrito, Sahebzada imagina como seria representá-los em tamanho maior em uma combinação de técnicas tradicionais e contemporâneas, enquanto Nezami continua pensando sobre "o poder realmente maravilhoso" e o uso de ouro em uma cópia do Shahnameh, o épico nacional persa. 

Cheshti, por sua vez, tem ampliado seus ensinamentos para incluir estilos caligráficos populares aos clientes do Oriente Médio. Ao mesmo tempo, ele tem lutado com os desafios de criar uma cópia do Alcorão em seda, mas não sozinho. Sahebzada está o ajudando a tratar o tecido para que ele aceite a tinta e obras de outros períodos e locais para oferecer ao calígrafo as sementes da inspiração e inovação.

Este espírito transcende as paredes do Turquoise Mountain, também, à medida em que seus graduados incorporam esta nova conexão com a tradição em seus próprios workshops. Trata-se de uma conexão consagrada pelo pintor de miniaturas do século XV de Herat, Kamaleddin Behzad, cujas habilidades dominantes mostravam tanto um domínio das técnicas de seus antepassados como grande originalidade. Foi esta combinação, para ele naquela época e para os alunos do Ferozkoh atualmente, que deu energia duradoura e vida à arte de um dos países mais ricos do mundo culturalmente.  

A autora estende profundos agradecimentos a Zabihullah Zamanuddin Noori do Turquoise Mountain pela ajuda inestimável como intérprete.

Lee Lawrence

Radicada no Brooklyn, NY, Lee Lawrence (www.leeadairlawrence.com) escreve com frequência sobre a arte islâmica e da Ásia para o Wall Street Journal e sobre assuntos culturais para The Christian Science Monitor.

www.turquoisemountain.org

 

Este artigo está disponível na página 12 da edição impressa da revista AramcoWorld.

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