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Você pode imaginar um mundo sem tempero? Ou sem molho tabasco, harissa, sriracha, páprica ou pimenta em pó?
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Típicas das transformações trazidas pelo comércio do Velho Mundo para o Novo Mundo, as pimentas do gênero Capsicum foram responsáveis pela transformação da simples e clássica linguiça de cordeiro da África do Norte e do Oriente Médio chamada de mirkas ou merguez. Apesar de que uma receita do século XIII já apimentava o prato com pimenta-do-reino, canela e coentro, hoje a merguez é definida pelo calor impetuoso das Capsicums secas e é apreciada de Nova York a Hong Kong.
A autora Deana Sidney apresenta uma receita caseira para cada (veja abaixo), a merguez antes e após a Capsicum; e então faz um passeio em vídeo apresentando os produtores de merguez hoje e seus fãs em Nova York. |
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Eu me fiz essa pergunta depois que encontrei uma receita de 700 anos de idade para uma das minhas comidas favoritas, a merguez: a amada linguiça de cordeiro da África do Norte que é nitidamente avermelhada por pimentas. A versão medieval era suavemente temperada com especiarias quentes como a pimenta-do-reino, o coentro e a canela ao invés do calor impetuoso das pimentas Capsicum, o sabor de assinatura do prato de hoje.
As cozinhas da China, Indonésia, Índia, Butão, Coreia do Sul, Hungria e grande parte da África e Oriente Médio seriam radicalmente diferentes do que são hoje se as pimentas não houvessem retornado através do oceano com Colombo. Apenas 50 anos após a descoberta do Novo Mundo, as pimentas estavam aquecendo muito do Velho Mundo. Como elas se espalharam por tão longe e tão rápido? As respostas podem surpreender você, assim como me surpreenderam!
Eu descobri que os mamelucos e otomanos muçulmanos foram quase tão responsáveis pela descoberta de pimentas no Novo Mundo quanto Colombo, mas estou me adiantando.
A saga da pimenta global começa no primeiro milênio A.E.C. com a carreira inflamável de outra pimenta: a pimenta-do-reino (Piper nigrum) e suas primas, a pimenta-longa indiana e a cubeba javanesa. Embora a Piper nigrum tenha sido cultivada primeiro na costa do Malabar na Índia, o gosto por ela inflamou o mundo antigo: Independente do custo, que por sinal era bem alto, as pessoas estavam loucas por pimenta. Os romanos, por exemplo, primeiro a provaram no Egito e a demanda por ela os levou a navegar para a Índia para comprá-la. No primeiro século, Plínio reclamou do custo: "Não há nenhum ano em que a Índia não drene o Império Romano em cinquenta milhões de sestércios".
Em certo sentido, todo o sistema global de comércio (as rotas marítimas e terrestres que difundiam a cultura e culinária através do comércio pelo mundo conhecido) estava engajado no apetite pela pimenta, seu cultivo, distribuição e consumo.
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acervo particular / bridgeman art library |
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Topo: Este esboço da costa de "La Española" é atribuído à própria mão de Colombo, de sua primeira viagem. Ele também registrou que em resposta a terem sido apresentados a amostras de pimenta-do-reino, os moradores locais guiaram-no e a sua tripulação até abundantes frutos de pimenta-da-jamaica mostradas acima já secas. |
Vasta riqueza foi gerada pelo controle de acesso à pimenta-do-reino, o que não é surpreendente. A Índia guardava os segredos de seu cultivo e era a única fornecedora, as rotas comerciais da Rota de Seda em toda a China e Oriente Médio eram o sistema principal de distribuição.
O declínio do Império Mongol, que havia protegido as Rotas da Seda e a subsequente queda de Bizâncio em 1453 começaram a romper as grandes parcerias comerciais; facções opostas passaram a implementar embargos ao longo das rotas terrestres. Os mamelucos e otomanos controlavam os pontos de estreitamento ao longo das rotas terrestres e marítimas e cobravam impostos punitivos sobre as mercadorias que circulavam através de seus domínios. Isso tornou as rotas terrestres extremamente caras, portanto, se a Europa desejava ter pimenta, uma nova rota marítima deveria ser encontrada para poder obtê-la.
Ambas as possíveis rotas eram perigosas. O português Bartolomeu Dias provou ser possível navegar ao redor do continente africano até o Oceano Índico em 1488, em parte graças aos navegadores, cartógrafos e marinheiros árabes. A Espanha ficou com a outra opção: navegar para o oeste através do desconhecido Atlântico, mare incognitum , com a esperança de chegar à Índia pelo outro lado.
Colombo aproveitou-se de uma descoberta portuguesa, a volta do mar, uma grande corrente circular, ou giro, causada pela rotação da Terra; uma de duas existentes no Oceano Atlântico. Isto encurtou o tempo de viagem consideravelmente, permitindo alcançar o que ele achava ser a Índia (mas que era na verdade uma ilha do Caribe: a Cayo Samana, a Grand Turk, a Cayos Plana, Mayaguana e Conceição são todas as possibilidades), quando sua tripulação estava à beira de um motim. Colombo começou a procurar por temperos e outros tesouros da Índia.
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biblioteca estense / bridgeman art library |
O mundo AC ("Antes das Chiles") foi por mais de 1.300 anos definido pelo mapa desenhado por Cláudio Ptolomeu da Grécia, mostrado acima em uma cópia do século XV. O Oceano Índico é mostrado como um mar fechado, pouco da África aparece abaixo do equador e as Américas estão completamente ausentes. |
No diário de sua viagem, o registro de 4 de novembro de 1492 indica (na tradução de Samuel Eliot Morison): "O almirante mostrou a alguns dos índios de lá a canela e a pimenta (supostamente do que ele havia trazido de Castela para mostrar) e eles a reconheceram, é dito, e por sinais lhe disseram que nas redondezas havia muito mais dela". Os frutos de pimenta-da-jamaica que eles trouxeram para ele cheiravam a canela e pimenta, mas não eram a Piper nigrum que ele esperava encontrar. Em um dos primeiros exemplos de reformulação de marca, Colombo chamou o novo tempero de pimento,, em referência a palavra espanhola pimienta, a pimenta-do-reino.
Um mês depois, Colombo encontrou um outro tipo de pimenta: a pimenta Capsicum que é agora familiar e indispensável ao redor do mundo. O registro no diário no dia de Ano Novo de 1493 indica: "A especiaria que eles comem, diz o Almirante, é abundante e mais valiosa do que a pimenta-do-reino ou a pimenta malagueta [grãos do paraíso]. Ele deixou uma recomendação para aqueles que ele desejava deixar lá: que eles deveriam obter o máximo que pudessem." Os "índios" chamavam esta pimenta de aji ou axi. Duas semanas mais tarde, o diário registra, "Há também muito axi, que é a pimenta deles e é mais forte que a pimenta-do-reino e as pessoas não comem sem ela, pois acreditam ser muito saudável. Pode-se carregar 50 [navios] por ano com ela em Hispaniola".
Escravos africanos eram alimentados com "molho slabber" uma mistura de pimentas Capsicum, farinha e óleo derramados sobre feijões, para mantê-los vivos durante as horríveis viagens marítimas que eram forçados a suportar. Os marinheiros portugueses comiam Capsicums da mesma maneira que os marinheiros ingleses comiam limões, para afastar doenças das longas viagens marítimas, e eles sem dúvida compartilharam esse segredo com marinheiros de outras nacionalidades.
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Acima: Produzido em Portugal entre 1500 e 1502, o mapa do mundo Cantino mostra a linha de norte a sul, no canto esquerdo, estipulada pelo Tratado de Tordesilhas de 1494. A Espanha recebeu o controle no lado oeste e Portugal no lado leste da linha. A Espanha ganhou o território maior, mas Portugal ficou com o Brasil, de onde monopolizou sua rota recém descoberta ao redor da África, que contava com a corrente circular do Atlântico Sul, abaixo. |
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Os indianos, especialmente os indianos de baixa renda, aderiram às pimentas Capsicum muito rápido e imediatamente este benefício foi registrado. O estudioso da comida indiana K. T. Achaya descobriu que o compositor do sul da Índia Purandaradasa (1480—1564) havia chamado as pimentas de "salvadoras dos pobres, realçadoras de boas comidas, ardentes quando mordidas".
As "especiarias" às quais Colombo foi apresentado já eram uma cultura alimentar valorizada no Novo Mundo por 6.000 anos. As frutas carnudas e pungentes de uma planta da família das solanáceas, as pimentas Capsicum (Capsicum annuum) contêm uma substância química insípida e inodora chamada capsaicina que dá uma "mordida" na boca de quem a come, aquece o corpo e graças à liberação no cérebro de endorfinas em resposta à ardência, levanta o ânimo.
Embora não fosse a pimenta-do-reino a que ele esperava encontrar, Colombo tinha uma visão otimista sobre o valor da sua nova pimenta e ele certamente incluiu a aji em sua apresentação de plantas do Novo Mundo para seus patronos reais. Embora Fernando e Isabel pareciam não ter ficado impressionados, as pimentas Capsicum provaram ser um produto popular em uma rede mundial de comércio cada vez mais veloz.
Jean Andrews, provavelmente a maior autoridade na história das pimentas, acredita que os portugueses possuíam pimentas Capsicum mesmo antes de terem navegado para o Brasil em 1500, graças a Colombo. Isso pode ser verdade, uma vez que os navios espanhóis muitas vezes ancoravam nos portos controlados por portugueses nas ilhas Canárias, em Cabo Verde e nos Açores, todas as paradas para navios que viajavam de e para a África, o Mediterrâneo e mais tarde para a Índia e Novo Mundo. Colheitas, gado, temperos, ouro, marfim, escravos, tudo veio através destas ilhas no caminho de e para Lisboa e certamente, as equipes trocaram ou venderam mercadorias e informações.
Mais especificamente, Colombo parou nos Açores e permaneceu em Lisboa durante uma semana, até mesmo conhecendo o rei português, antes de retornar à Espanha de sua primeira viagem ao Novo Mundo. Por esta razão, Andrews e muitos outros estudiosos das pimentas sentem que é perfeitamente possível que as sementes de Capsicum tenham sido compartilhadas com a corte ou negociadas por marinheiros espanhóis, como excitantes novidades do Novo Mundo já em 1493. Eles acreditam que as Capsicums que proliferaram tão cedo no Velho Mundo vieram das sementes de Colombo (Capsicum annuum var. annuum) e não daquelas que os portugueses mais tarde encontraram no Brasil (Capsicum frutescens ou chinense). No entanto, foram os portugueses e não os espanhóis que espalharam as Capsicums por toda a parte, conforme viajavam pelas rotas de comércio que haviam estabelecido no Oriente, África e Índia. Dentro de 20 anos, as Capsicums estavam à caminho de panelas e pratos de todo o Velho Mundo.
O fisiologista húngaro Albert Szent-Györgyi recebeu o Prêmio Nobel em 1937 por isolar a vitamina C usando Capsicums ricas em vitaminas e por elucidar o ciclo cítrico ácido. A vitamina C está entre os ingredientes que fizeram as Capsicums uma adição altamente benéfica para a dieta de pessoas de baixa renda ao redor do mundo.
As pimentas Capsicum passaram por muitos nomes quando foram introduzidas pela primeira vez. Elas eram conhecidas como pimenta Pernambuco após um acordo português no Brasil, ou pimenta Calecute em referência a um importante porto de especiarias na Índia, mas também atendia pelo nome nativo de aji, axi ou na Índia, achi. Em Java os portugueses chamaram-nas de pimentas espanholas, como a Alemanha e a Suécia ainda o fazem. Chile, uma palavra asteca Nahuatl, passou a ser utilizada posteriormente.
Em 1984, o historiador C.R. Boxer sugeriu que os navios mercantes portugueses que transportavam pimenta-do-reino de Goa para Lisboa poderiam ter trazido Capsicums de volta para a Índia em suas viagens de retorno. Jean Andrews escreveu que algumas pimentas Capsicum secas e finas ainda são chamadas de kappal molokai em Calecute, "pimenta do navio."
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bilkent university / wikimedia commons |
Em 1513, o cartógrafo otomano Piri Reis analisou 14 fontes para produzir este mapa, cujas linhas de curso precedem a latitude e longitude cartográficas e do qual somente este fragmento mostrando a África Ocidental, o Atlântico Sul e as Américas, ainda existe. Por volta desse período, as pimentas começaram a atingir muitos portos do Velho Mundo, do Oriente Médio e partes da Ásia e elas foram crescendo nos Açores, outras ilhas do Atlântico e África do Norte. |
O botânico do século XVI, Matthias de Lobel, sugeriu que os portugueses exportavam Capsicum de Goa no início do século XVI, assim como a pimenta-do-reino: As Capsicums existiam na Indonésia por volta de 1510 e a autoridade em pimentas, Dave de Witt, diz que as Capsicums estavam crescendo nos Açores, Madeira e Cabo Verde por volta de 1516, bem como ao longo da costa oeste da África onde Portugal tinha estabelecido fortes e postos comerciais. Então, com a ajuda dos persas, a Turquia e Portugal tiveram uma trégua em meados de 1550 e a rota das especiarias foi aberta novamente. Certamente as pimentas Capsicum foram negociadas nos mercados recentemente acessíveis do Oriente Médio, sendo os marinheiros os prováveis mercantes.
Não eram apenas os portugueses que a estavam espalhando. Veneza ainda estava negociando com a Europa e grande parte do mundo muçulmano. Espanha, Portugal e o Império Otomano continuamente lutaram e negociaram e o comércio e compromissos militares da Índia para o Norte da África assegurou a interação entre as nações conforme navios eram capturados e as cargas eram redistribuídas pelos vencedores. Quando o sultão otomano Suleiman, o Legislador (chamado "o Magnífico" na Europa) conduziu através dos Bálcãs e conquistou a Hungria em 1526, as pimentas Capsicum vieram também nos jardins que seu exército plantava para alimentar as tropas e apesar de os otomanos eventualmente terem partido, as Capsicums ficaram. Por volta de 1569, uma aristocrata húngara listou a Türkisch rot Pfeffer (pimenta vermelha turca) entre as plantas em sua horta e rapidamente a páprica, uma variedade da Capsicum annuum havia conquistado a cozinha húngara em todos os níveis econômicos. Em seu livro de 1963 sobre a páprica, o historiador húngaro Zoltan Halasz disse que a pimenta Capsicum foi utilizada pela primeira vez por camponeses, pastores e pescadores húngaros que teriam ligações estreitas com o comissariado Otomano.
O psicólogo de desenvolvimento Jason Goldman disse, "O consumo de pimenta ardida tem um efeito positivo sobre a sua saúde mental e física. Quando você come uma pimenta, os receptores de dor na boca reagem com a capsaicina. Essa reação também desencadeia uma liberação de endorfina... Esta liberação de endorfina produz uma animação natural que se assemelha a "adrenalina de um atleta". Esta sensação geral de bem-estar também pode atuar como um analgésico natural, caso você esteja sofrendo de dores no corpo".
Nem todo mundo se apaixonou pela Capsicums quando foram introduzidas pela primeira vez. Os espanhóis, que as haviam trazido em primeiro lugar, só as cultivavam como plantas de jardim ornamentais. A Itália e Portugal tampouco aderiram facilmente. Jardins do mosteiro europeu pareciam ter o maior interesse em propagá-las no início do século XVI. Países do norte da Europa eram indiferentes a elas, salvo como uma curiosidade, embora elas estivessem crescendo na Alemanha por volta de 1542, provavelmente graças a comerciantes otomanos que receberam madeira de teixo para os seus arcos, entre outros produtos, da Alemanha.
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Pimentas secas são enviadas para o mundo todo. Do topo à esquerda: Variedades de Capsicum annuum no Novo Mundo incluem guajillo, ancho e Novo México; uma variedade menor de Capsicum frutescens chamadas de pimenta "birdseye" espalhadas na selva da África após aves terem espalhado suas sementes desde os primeiros jardins e são agora comuns também no Sudeste Asiático; as pimentas "indianas" estão entre as variedades mais comuns na Índia, que cultiva e exporta hoje mais pimentas do que qualquer outra nação. Inferior à esquerda: Três pimentas Capsicum populares que tiveram raízes no Oriente Médio, a Maras, Urfa e Aleppo, mostradas abaixo na forma de flocos, são usadas em pratos de toda a região. Inferior à direita: Pimentas frescas serrano, poblano e jalapeño madura. |
Na verdade, as pimentas Capsicum não se tornaram um item popular da culinária em grande parte da Europa por centenas de anos. O historiador sobre culinária Ken Albala apresentou uma teoria para isso quando escreveu que "os comerciantes tinham razões convincentes para manterem seu comércio de pimenta-do-reino ao leste. E portanto eles não mencionavam, muito menos carregavam pimentas. Elas tampouco aparecem em livros de receitas europeus até o final do século XVII". Obviamente isso não significa que elas não estavam sendo consumidas pelas classes de baixa renda, já que os historiadores sobre culinária concordam que houve muito pouco escrito a respeito da cozinha ou horticultura camponesa durante aquele período.
Por essa razão é difícil determinar o impacto inicial das pimentas. Registros de cultivos de pimenta são praticamente inexistentes. Andrews sente que elas foram ignoradas pois as pimentas Capsicum eram consideradas "plantas de jardim", tanto em livros imobiliários europeus como nos registros escrupulosos do Império Otomano e, como tais, não eram tributadas ou registradas. Mas não é muito supor que as pimentas Capsicum eram trazidas junto com o milho e os feijões do Novo Mundo (culturas valiosas que eram registradas) e eram negociadas por marinheiros a quem haviam sido dadas como seu soldo da viagem, enquanto seus mestres negociavam amplamente a pimenta-do-reino e outras mercadorias que eram mais valiosas.
Como as pimentas são distribuídas nas culinárias mundiais? A Índia usa a Capsicum annuum e a Capsicum frutescens ou chinense. (As pimentas mais ardentes, como a famosa "pimenta fantasma", são em sua maioria a Capsicum chinenense ou frutescens). Os turcos usam a Capsicum annuum e em algumas localidades as secam ao sol e em seguida as cobrem e as "deixam transpirar" à noite. A China possui a Capsicum annuum e chinense. A Coreia utiliza a Capsicum annuum e a Hungria utiliza muitos tipos de Capsicum annuum para produzir a sua famosa variedade de pápricas. As pimentas africanas são na maior parte a Capsicum annuum, porém todos os tipos podem ser encontrados no continente. Marrocos possui uma grande variedade de pimentas, porém a maioria é representada pela variedades de Capsicum annuum .
Além do plantio intencional, a dispersão natural feita por aves espalhou as pimentas Capsicum largamente. Ao contrário dos mamíferos, as aves não são afetadas pela capsaicina, mas gostam de comer frutas de cores vivas. Classes de baixa renda, que nunca poderiam pagar pela pimenta-do-reino, podiam facilmente cultivar as Capsicums e tinham uma boa razão para fazê-lo: As pimentas melhoravam não só o sabor dos alimentos, mas sem o conhecimento de seus consumidores, também a sua qualidade nutricional. Ao longo de todo o Oriente Médio, China e África, muitas culturas que haviam sobrevivido com arroz ou alimentação à base de grãos, prosperaram com a adição de pimentas. O antropólogo E.N. Anderson escreveu: "Talvez nenhum avanço culinário desde a invenção da destilação tenha tido mais efeito do que a propagação das pimentas no Velho Mundo... Ela não somente beneficiou incalculavelmente a culinária de todos os povos civilizados o suficiente para aceitá-la, como é também rica em vitaminas A e C, ferro, cálcio e outros minerais, é altamente armazenável e utilizável em conservas, pode ser cultivada em qualquer lugar sob quaisquer condições...."
Os indianos, especialmente os indianos de baixa renda, aderiram às pimentas Capsicum muito rápido e imediatamente este benefício foi registrado. O estudioso da comida indiana K. T. Achaya descobriu que o compositor do sul da Índia Purandaradasa (1480—1564) havia chamado as pimentas de "salvadoras dos pobres, realçadoras de boas comidas, ardentes quando mordidas". Os marinheiros portugueses comiam Capsicums da mesma maneira que os marinheiros ingleses comiam limões, para afastar doenças das longas viagens marítimas, e eles sem dúvida compartilharam esse segredo com marinheiros de outras nacionalidades. Escravos africanos eram alimentados com "molho slabber" uma mistura de pimentas Capsicum, farinha e óleo, durante as horríveis viagens marítimas que eram forçados a suportar.
Charles Perry, historiador de culinária e tradutor de livros de receitas árabes, observou que "os mercadores persas de Khorasan (a região que hoje faz parte do Irã, Afeganistão e Turcomenistão) introduziram a pimenta vermelha a Caxemira e Nepal, porque a palavra local para pimenta lá é khorsani". Essa rota do norte também trouxe pimentas para as províncias da China sem costa marítima, Szechuan e Hunan, talvez nos maços de viajantes budistas indianos ou através daqueles comerciantes persas que ainda utilizavam as antigas rotas de comércio, trocando especiarias por porcelana chinesa e seda.
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Hoje, a maioria das pimentas frescas distribuídas pelos supermercados globais são variedades de Capsicum annuum. |
Notavelmente, em pouco mais de 50 anos, as pimentas Capsicum se tornaram globais. O amor pelo calor da pimenta-do-reino, que vem da alcaloide piperina, deu lugar aos encantos da capsaicina mais potente das pimentas Capsicum. O historiador sobre culinária Ken Albala comentou: "Pimentas ardidas estão entre os poucos alimentos que se espalharam quase que imediatamente após a descoberta das Américas para o mundo todo. Pense na Tailândia, Índia, Sichuan, ou mesmo a Hungria sem pimenta. Eu tenho uma teria sobre o porquê. Ao contrário da pimenta-do-reino, as Capsicums podem crescer praticamente em qualquer lugar e não precisam ser importadas dos trópicos. Então, elas estão em quase todos os lugares como um tempero ardido".
No entanto, algumas culturas levaram mais tempo para aderir às pimentas. Os persas, entre os primeiros comerciantes tanto das pimentas-do-reino quanto das vermelhas, não se apaixonaram por elas tão cedo: Há pouco uso de pimentas na culinária persa. Charles Perry observou: "Bem, os persas usam pimenta em alguns pratos, como khoresh-e bamyeh (quiabo ensopado, algo que leva quiabo exige a pimenta vermelha), mas a sua culinária nunca foi muita apimentada antes da chegada das pimentas".
Muitos dos pratos do Oriente Médio adotaram pimentas Capsicum completamente, muitas vezes na forma de variedades cultivadas localmente, já que a Capsicum annuum hibridiza facilmente. Mercados por toda a Turquia e Síria são ricos em variedades, tanto frescas e secas e moídas ou em flocos, nomeadas em homenagem a suas cidades natais: Maraş, Urfa, Aleppo e assim por diante.
A África adora a pili pili, suaíli para "pimenta pimenta" (também conhecida como piri piri ou "bird's-eye". É cultivada em Malawi, África do Sul, Gana, Nigéria, Zâmbia, Zimbabwe, Moçambique, sul do Sudão e sul da Etiópia; é cultivada comercialmente em muitos desses países, assim como na Índia e na Indonésia. O molho de pimenta piri piri português é saboreado por toda a África.
A culinária de Sichuan é praticamente sinônimo de pimenta ardida. Os coreanos comem mais pimentas Capsicum per capita do que em qualquer outro país: É um ingrediente em seu kimchi e gochujang. O Butão é louco por pimentas, o seu ema datshi, que leva muita pimenta, é o prato nacional típico. O sul da Índia adora o calor dos seus pratos "vindaloo" e possui o maior cultivo de Capsicums do mundo, muito mais do que a América do Sul ou do México. E mesmo hoje, o molho de pimenta Louisiana está se tornando popular em lugares anteriormente brandos do Oriente Médio, graças às visitas de petroleiros americanos.
Andrews observa que a palavra pimenta teve um início confuso. A pimenta-longa, pippali,, recebeu o seu nome a partir do figo sagrado, peppul. Pippali tornou-se o nome da pimenta-do-reino também. Ao contrário das pimentas Capsicum, tanto a pimenta-longa quanto a mais familiar pimenta-do-reino são membros da mesma família Piper.
Qual variedade da pimenta Capsicum ganha o concurso de popularidade, você pode perguntar. A pessoa certa para responder isso é o botânico W. Hardy Eshbaugh, que passou anos rastreando pimentas desde o seu início na Bolívia. Em seu artigo "Pimentas: História e exploração de uma feliz descoberta de novas culturas" (History and Exploitation of a Serendipitous New Crop Discovery), Eshbaugh disse, "A Capsicum annuum é a espécie domesticada mais conhecida do mundo. Desde o tempo de Colombo, ela se espalhou para todas as partes do globo". Um artigo da Universidade de Purdue declarou:" a Capsicum chinense também foi descoberta cedo e se espalhou globalmente, mas em menor grau do que a Capsicum annuum. A expansão global mais limitada desta espécie está provavelmente mais relacionada com a sua descoberta posteriormente na América do Sul e uma vantagem competitiva aproveitada pela Capsicum annuum, que se estabeleceu firmemente no Velho Mundo antes de que a Capsicum chinense fosse introduzida lá. "
O motivo pelo qual as pimentas Capsicum se tornaram tão populares é claro. Se você tivesse apenas um pouco de grãos e vegetais para comer, uma pitada de pó de Capsicum iria tornar a sua refeição mais enfática e atraente; um pedaço de pimenta Capsicum em seu prato acrescentaria vitaminas em seu feijão e arroz. Cozinheiros provaram as novas pimentas e as acrescentaram ao que já estavam cozinhando como um novo e emocionante ingrediente em seus vocabulários culinários. Um gosto levou ao outro e então continua até hoje.
Como a culinária mudou com as pimentas? A resposta é demonstrada com as receitas de "antes e depois" da linguiça de cordeiro que me levaram ao rastro da pimenta. Você pode ver em primeira mão quando você compara a receita anterior do século XIII e a versão posterior que é rica em pimentas vermelhas. sus um aventureiro!s, mas têm personalidades muito diferentes, imagine a comparação de um intelectual com um aventureiro!
Aqui está uma tradução da receita original de mirkas (a linguiça merguez) do livro de receitas do século XIII Al Andalus, traduzido por Charles Perry:
É tão nutritiva quanto almôndegas (banadiq) e rápida para digerir, já que a trituração amacia e torna mais rápida a digestão, além de ser nutritiva. Primeiro pegue um pouco de carne da coxa ou paleta de um cordeiro e triture até que fique como almôndegas. Amasse-a em uma tigela, misture em um pouco de óleo e um pouco de murri naqi’ (pasta fermentada de cevada medieval árabe), pimentas, semente de coentro, lavanda e canela. Em seguida, adicione três quartos equivalentes de gordura, que não deve ser triturada, pois a mesma derreteria durante a fritura, mas picada com uma faca ou socada em uma tábua para corte. Usando o aparelho apropriado de encher linguiças, insira-a nas tripas lavadas, amarrando com fio para fazer linguiças pequenas ou grandes. Em seguida, frite-as com um pouco de óleo novo e quando estiverem no ponto e douradas, faça um molho de vinagre e óleo e use enquanto estiver quente. Algumas pessoas fazem o molho com suco de coentro e hortelã e um pouco de cebola batida. Alguns cozinham em uma panela com óleo e vinagre; outros fazem como um bolo de carne rahibi com cebola e bastante óleo até que estejam fritas e douradas. Ficará bom com qualquer um dos métodos que você escolher.
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Deana Sidney (deanasidney@gmail.com) é uma designer de produção de filmes que também escreve sobre comida, estilo e história e participa regularmente do Simpósio de Alimentação de Oxford. Os leitores de seu blog "Passado Perdido Relembrado" (Lost Past Remembered) normalmente o acessam para ver as receitas e acabam ficando para ler as histórias. |