Volume 65, Número 4Julho/Agosto de 2014

In This Issue

Contemplando a beleza // Escrito por  ANA CARREÑO LEYVA
No início dos anos 1860, o pintor da Hudson River School, Samuel Colman, esteve entre os primeiros artistas americanos a visitar a Espanha. 'A Colina da Alhambra', 1865, reflete o ideal popular de que a beleza pitoresca e a grandeza estimulam os sentidos à consciência mais alta. 
Acima: metropolitan museum of art/art resource; abaixo: José Miguel Puerta Vílchez
No início dos anos 1860, o pintor da Hudson River School, Samuel Colman, esteve entre os primeiros artistas americanos a visitar a Espanha. "A Colina da Alhambra", 1865, reflete o ideal popular de que a beleza pitoresca e a grandeza estimulam os sentidos à consciência mais alta. 
ana al-rawdh qad ashbahtu haliya

tammal jamali 

tastafid sharha haliya




Eu sou o jardim que a beleza adorna 

Você conhecerá o meu ser se a minha

beleza você contemplar. 


 — Verso árabe por Ibn Zamrak, 1333-1393, em baixo relevo em caligrafia Kufic, no Salão das Duas Irmãs de Alhambra.

DE TODAS AS DIREÇÕES, ao se aproximar de Granada na região espanhola de Andaluzia a mais meridional da Europa, você pode vê-la: a fortaleza murada, o palácio e o jardim de Alhambra ancorados ao seu promontório que domina a cidade. De costas para a alta Sierra Nevada, dispersa aos seus pés uma cena do centro urbano de edifícios modernos intercalados com os vestígios da história de mais de mil anos. Ao Norte, a paisagem cubista de Albaicín, ou o bairro mouro, ascende uma colina oposta, de frente para o centro a partir de seu labirinto sinuoso de ruas que ainda parecem ecoar com vozes antigas.

Alhambra sustentou-se muito tempo como a joia mais preciosa da arte hispano-islâmica. Ela inspirou profundamente inúmeros artistas, de Granada e ao redor do mundo, que a consideram quase universalmente como um epítome da estética, repleta de aspectos históricos, matemáticos, espirituais, místicos, sensuais e oníricos. Cada artista a interpretou e, por sua vez, a deixou exercer as suas próprias influências, segundo o próprio estilo do artista, seja histórico, científico, romântico, vanguardista ou contemporâneo. 

Topo e acima à direita (Owen Jones): bridgeman images; topo à esquerda (Gómez-Moreno): album/art resource
Os pintores historicistas do século XIX utilizaram Alhambra como um símbolo e cenário para eventos que interpretaram com estilo visual épico carregado de nostalgia romântica. Topo: "A Queda de Granada em 1492" por Carlos Luis Ribera e Fieve, 1890 e (acima à esquerda) a "Família Boabdil deixando Alhambra" por Manuel Gómez-Moreno González, 1883, ambos imaginam a conquista católica e o consequente exílio do sultão Nasrid e sua família. Acima à direita: Registrando muitos dos desenhos de Alhambra tanto com um olhar tanto científico quanto romântico, o arquiteto galês Owen Jones em 1856 declarou-a "o auge da perfeição da arte moura".

O palácio de Alhambra foi construído entre os séculos XIII e XV pelos sultões de Nasrid, os últimos de oito séculos de soberanos muçulmanos em al-Andalus, o nome dado à Espanha muçulmana, atualmente a Andaluzia. Por volta de 1400, a corte na Alhambra vivia dos reflexos brilhantes de honras passadas, incerta de seu futuro. A sobrevivência política de Nasrid dependia da ajuda militar da dinastia norte-africana Marinid bem como da proteção do reino cristão de Castela em troca de tributos. Estas pressões externas, bem como as lutas internas de poder, enfraqueceram os Nasrids e a expulsão deles em 1492 provocou o colapso final da Espanha muçulmana.

Construído sob estas condições precárias, a resistência do monumento à passagem do tempo é ainda mais excepcional uma vez que os materiais disponíveis para os Nasrids eram muito simples, até mesmo pobres: gesso, estuque, madeira e pedra comum facilmente trabalhada. 

Mas o que lhes faltava em materiais monumentais, eles compensavam pelo conhecimento prodigioso. Os seus arquitetos não identificados possuíam um conhecimento altamente sofisticado de matemática grega e islâmica clássicas, tanto de perspectivas práticas quanto místicas, espirituais, que consideravam os números como sendo o mais alto, mais profundo dos conceitos humanos. Seguindo estes padrões, eles calcularam as proporções e decoraram Alhambra para refletir as relações entre números, o cosmo e pessoas. Por exemplo, o conceito grego clássico da "proporção dourada" ou seção dourada é utilizada em todas as partes do palácio: na geometria infinita, na exuberância dos seus jardins projetados, na ornamentação de seus fabulosos estuques e nos inúmeros painéis de elegante caligrafia Kufic.

À esquerda: wikimedia commons; à direita: bridgeman images
Em 1832, o ano em que o Contos de Alhambra de Washington Irving foi publicado, o artista inglês David Roberts visitou a Espanha, mas pintou a "Torre de Comares" à esquerda, em 1838, um pouco antes de partir para a que se tornaria a sua viagem mais famosa, para o Egito e o Levante. À direita: Assim como Roberts, o artista francês François Antoine Bossuet, ao pintar o "Porte de Justice" da Alhambra nos anos 1870, utilizou o que eram naquela época técnicas bem desenvolvidas do Orientalismo Romântico: iluminação perfeitamente quente, detalhes precisos (influenciado pela invenção da fotografia) e pequenas figuras que acentuam o espaço exagerado e perspectivas, técnicas evidentes também nas imagens abaixo.  

Em 1492, os monarcas cristãos de Castela tomaram as chaves de Alhambra enquanto a nobreza e os comerciantes tomaram os edifícios mouros e judaicos mais proeminentes na cidade. No início do século XVI, alguns palácios de Alhambra foram em parte demolidos, não sabemos quantos já que não há registro, para abrir caminho ao palácio da Renascença que o imperador Charles V da Espanha (Charles I da Alemanha) pretendia usar para fazer de Granada a sua capital. 

Ainda que o palácio da Renascença tenha sido construído e esteja de pé até hoje, Granada nunca se tornou a capital de Charles. Aproximadamente dois séculos se passaram, durante os quais Alhambra caiu no desuso, um longo sonho de esquecimento no qual o esplendor do passado foi coberto pelo pó, rendido ao tempo. Os seus quartos e jardins magníficos tornaram-se residências para desabrigados e vagabundos. De fato, acabou se tornando uma cena atraente para artistas do recém-emergente Romantismo. 

A partir do início do século XIX, Granada empreendeu um plano de modernização urbano dramático que, durante os 100 próximos anos, resultou na demolição da maior parte do seu patrimônio arquitetônico islâmico. Em 1828, um escritor de Nova York chamado Washington Irving visitou Granada durante uma viagem curta pela Espanha. (Uma dúzia de anos depois, ele voltou à Espanha para representar o seu país como embaixador).

(2): bridgeman images
Também em 1832, o desenhista francês Joseph-Philibert Girault de Prangey estava no final de seus 20 anos quando visitou Alhambra. O "Pátio dos leões", à esquerda, uma gravura daquela visita, amplia tanto a altura como a área do pátio para um efeito dramático, o guitarrista sonolento pode ser visto como uma metáfora da ideia comum de Orientalistas de um "leste sonolento". Naquele mesmo ano, o aquarelista inglês John Frederick Lewis começou a residência de dois anos na Espanha, durante a qual produziu a imagem não titulada, à direita, de uma mulher contemplando as torres de Alhambra. As obras de ambos os artistas foram amplamente divulgadas para a aclamação popular.

A história de Granada e a Alhambra especialmente, fascinaram Irving, que chegou a estabelecer residência no palácio dilapidado e começou a trabalhar para convencer ambos os políticos e a sociedade da importância em conservá-lo assim como outras partes históricas da cidade. Do mesmo modo, Irving encontrou na Alhambra inspiração para o que se tornou o seu clássico mais vendido Contos de Alhambra, publicado em Londres em 1832. Muitas das dúzias de edições posteriores foram ilustradas por artistas notáveis incluindo Gustave Doré, Joseph-Philibert Girault de Prangey e outros que também ilustraram outros trabalhos literários românticos e literaturas sobre viagem.  

OS ECOS DA ALHAMBRA DE UM Embora possam atribuir a Irving a popularização de Alhambra, ele mesmo foi seguidor de uma tendência que havia começado um século antes, quando a agulha de bússola da arte europeia começou a apontar para a área mais ao sul do continente, a Andaluzia, bem como para a África do Norte. Alimentados pelo calor do Romantismo e mantidos pela popularidade da estética Oriental originária de livros como as primeiras edições do século XVIII de Mil e uma noites e, perto do fim daquele século, o enciclopédico Description de l’égypte, os artistas Românticos migraram para o sul. Eles encontraram tanto chaves temáticas como iconográficas na história e civilização de al-Andalus em geral, em Granada mais especificamente e na Alhambra particularmente. Granada e a sua Alhambra ficaram tão renomadas que tornaram-se objetos artísticos de desejo, destinos de peregrinação secular. Popularizaram-se além disso pelos viajantes românticos, compreendidos principalmente pelos escritores, pintores e poetas ingleses e escoceses (e alguns franceses e alemães) que exaltaram a Alhambra como um limiar do Oriente ou, conforme a nomearam, "um Oriente em casa". Eles foram encorajados, ou talvez capacitados, por um novo gênero de livros de viagem, notavelmente o Guia para viajantes na Andaluzia e para leitores em casa (Guide for Travellers in Andalusia and Readers at Home), de Richard Ford, 1845. Os ecos de Granada do "reino perdido", até mesmo um "paraíso perdido", a sua atmosfera de ruínas e as características culturais e étnicas visivelmente misturadas de seu povo formaram uma cena ideal para o artista romântico. Foi uma fonte inesgotável da qual os artistas nunca deixaram de beber.


As imagens são cortesia dos artistas exceto: 1) Museu Sorolla, Madrid; 2), 3) Bridgeman images; 7) cortesia coleção Juan Manuel Segura & Francisco Jiménez, granada; 8) album / art resource; 10) © Artists Rights Society (ARS), Nova York / Vegap, Madrid; 13) Arquivo oronoz

Para os artistas, o tema mais popular em Alhambra pode ser o seu retangular Court of the Myrtles ou Patio de los Arrayanes, também conhecido por Pátio dos Comares, estando adjacente ao Salão de Comares ou Salão do Trono, que aparece ao fundo da maioria destas pinturas. Neste pátio e no Salão de Comares, os sultões realizavam audiências e delegações entre a simetria conferida ao espaço tanto pelas colunas perfeitamente articuladas como por arcos que fazem a transição do pátio ao salão e por seus reflexos na superfície da piscina que ocupa a maior parte do espaço do pátio. Desse modo, a piscina reflete o céu até mais do que reflete a arquitetura e sua simplicidade serena e elementar contrasta com a rica ornamentação das colunas e abóbodas bem como a complexidade social e política das atividades que a mesma testemunhou. Para os artistas, este é um lugar onde os reflexos fazem e refazem o cenário em visões infinitamente singulares, algumas das quais estão demonstradas aqui, abrangendo 178 anos.

Do topo à esquerda:  1. Joaquín Sorolla de Valencia, Espanha, 1917; 2. litografia de Girault de Prangey, 1836-37; 3. Impressionista americano Frederick Child Hassam, 1883; 4. Orientalista americano Edwin Lord Weeks, 1876. Quadros 5 a 15 são obras de artistas de Granada: 5. Juan Vida, 1996; 6. Leonor Solans, 2005; 7. Eugenio Gómez-Mir, 1920; 8. José Maria López-Mezquita, início do séc. XX; 9. Jesús Conde, 2009; 10. José Guerrero, 1974; 11. Socram, 2009; 12. Silvia Abarca, 2014; 13. José Maria Rodriguez-Acosta, 1904, e seu sobrinho, 14. Miguel Rodriguez-Acosta, 2007; 15. Brazam, 1993, que como muitos, diz ser indelevelmente influenciado pela Alhambra, "pela transparência da sua luz, o som da água".


Os artistas românticos, explica o historiador de arte Ignacio Henares Cuéllar da Universidade de Granada, "também achavam que a Alhambra satisfazia os critérios de suas novas teorias do Sublime, uma filosofia que sustenta que o mundo visível é uma reflexão do espiritual. Isto fica claro para os viajantes românticos na Andaluzia, e a Alhambra vem especialmente definir os fundamentos estéticos do Orientalismo Mediterrâneo, uma imaginação romântica rica que adianta o primeiro grande capítulo da modernidade". 

Maria del Mar Villafranca, diretora geral do Conselho da Alhambra e Generalife, explica que especialmente durante a segunda parte do século XIX, a Alhambra foi o destino de escolha de "viajantes cultos, a maioria deles alinhados com artistas românticos como David Roberts, John Frederick Lewis ou Gustave Doré". Além disso, "personalidades como [Henri] Regnault viveram com Mariano Fortuny, possivelmente o viajante mais emblemático e exemplar, já que ele também era tanto um colecionador quanto um reformista de arte". Isso se estendeu a artistas de nacionalidades diversas, em especial o americano Edwin Lord Weeks e o alemão Adolf Seel.

Sob o guarda-chuva do Romantismo emergiu a corrente artística que ficou conhecida como Orientalismo. Frequentemente carregada de uma mistura variada de ideias e atitudes coloniais, o Orientalismo irrompeu na pintura em todas as partes da região mediterrânea onde quer que os artistas europeus encontrassem inspiração em temas basicamente muçulmanos, árabes e norte-africanos. 

Segundo Jesús Conde, pintor e professor de belas artes na Universidade de Granada, a maior parte do impulso Orientalista resultou da busca de europeus por sua identidade em um mundo cada vez mais heterogêneo. "Aquela necessidade de definir o Oriente cria um movimento inteiro", diz ele. "Nós precisamos definir a nós mesmos para que possamos nos identificar como europeus e isto só pode ser possível olhando para o espelho ‘do Outro’". Ainda, acrescenta ele, foi mais do que isto: "A desilusão alimentou ainda mais um 'voo do oeste', onde o crescimento do industrialismo e pragmatismo criou uma atmosfera tediosa e sufocante, em direção a não só a cultura dos Outros, mas também em direção aos países que guardam, entre o seu céu e terra, as ruínas e tesouros de civilizações antigas … todo mundo queria viajar, desvendar e trazer para a superfície os seus próprios desejos naquelas terras exóticas".

À esquerda: © 2014 succession H. Matisse / Artists Rights Society (ARS); À direita: ©2014 M.C. Escher CO., Todos os direitos reservados, www.mcescher.com
O pintor francês Henri Matisse, que visitou durante três dias em 1910, foi "o último artista romântico e o primeiro moderno", diz Maria del Mar Villafranca. "A influência da Alhambra em Matisse não resultou em imitação mas sim em algo mais profundo": temas que posteriormente inspiraram o seu estilo, como visto nos modelos de seu "Interior com Berinjelas", de 1911 à esquerda. De forma similar, uma visita em 1922 inspirou o artista holandês e matemático M.C. Escher a representar não o palácio ou a sua arte, mas sim desenhar a partir da arte de Alhambra uma inspiração pessoal do seu próprio entrelaçamento, padrões infinitamente repetíveis que muitas vezes se parecem com os padrões geométricos e vegetais tradicionalmente islâmicos que ele viu em Alhambra, como na sua xilogravura de 1941, "Peixe", à direita.

Deste modo, os artistas românticos descobriram em Alhambra um cenário essencial, um dispositivo iconográfico tão prodigioso que poderia ser representado em tantas linguagens visuais quanto os artistas pudessem pintar.

Ao mesmo tempo em que os românticos migravam para o sul, o mesmo industrialismo que eles tentavam evitar estava provendo a sua arte com novos caminhos de distribuição e consumo que expandiram as suas oportunidades artísticas. Até aquele momento, muitas pinturas haviam sido financiadas por aristocracias ou pela igreja católica, normalmente destinada aos muros dos palácios e edifícios religiosos. Agora, novas técnicas de fabricação permitiram a produção em massa de estampas litografadas e gravuras, tornando impressões e pinturas muito mais baratas (e levando a muitas falsificações). A arte tornou-se uma mercadoria acessível a uma nova classe social, a burguesia, como espectadores e como compradores. 

Além disso, a necessidade e os meios de fornecer a ilustração para livros literários românticos popularizaram uma dimensão visual da literatura anteriormente disponível somente nos manuscritos mais preciosos, iluminados à mão. Isto atraiu ainda mais artistas para muitos temas e eles desfrutaram do desafio em mostrar graficamente o calor lírico da escrita romântica enquanto pareciam ao mesmo tempo refletir precisamente imagens realistas, em parte graças ao surgimento da fotografia. 

David Roberts, famoso por seu realismo lírico ao tratar temas do Oriente Médio, foi um dos artistas seminais de cujas escolhas estéticas a iconografia romântica de Andaluzia foi originada. A sua obra mais famosa da região, "Torre de Comares", (ver pág. 6), mostra uma imagem verdadeiramente romântica na qual o real se funde na fantasia. De forma similar, o entalhador Gustave Doré tratou habilmente a presença de pessoas nas suas cenas de Alhambra, com personagens estranhos de traços claramente lendários, todo o tempo dominando o poder de luz, cor e a leveza da arquitetura de Alhambra, à qual ele deu perspectivas surpreendentes em que apesar do seu realismo evidente, o espectador é transportado imediatamente ao mundo onírico do Orientalista romântico.

À esquerda: museo Sorolla, Madrid; à direita: cortesia do artista
No mesmo ano que Matisse visitou Alhambra, o pintor valenciano Joaquín Sorolla, então próximo de seus 50 anos, começava a produzir trabalhos no sul da Espanha e na Alhambra especialmente, o que criou uma ponte para o Impressionismo, Simbolismo e Modernismo, incluindo a "Torre de los Siete Picos",à esquerda. O pintor contemporâneo Miguel Rodriguez-Acosta, que cresceu em uma casa ao lado das muralhas de Alhambra, presta homenagem à cor vermelha, a raiz árabe do nome al-hamra , na sua pintura "Vesperal" ("Cântico") de 2009, que equilibra cores, padrões, geometria e pinceladas, à direita.

John Frederick Lewis, cujas populares estampas, aquarelas e óleos foram reproduzidos amplamente, enfatizou as atmosferas mediterrânea e oriental pela inclusão da arquitetura e arabescos como os ingredientes principais de uma estética da "civilização perdida", ou um fantástico "paraíso de al-Andalus". Em contrapartida, o realista e hispanista estudioso Sir Richard Ford e sua esposa Harriet Ford produziram muitos desenhos com detalhes empíricos que, acompanhados como foram por textos orientados à viagem, tornaram-se essenciais para leitores que desejavam entender o país realisticamente. 

É DIFÍCIL PARA QUALQUER ARTISTA 
EM GRANADA VIVER ALIENADO À INFLUÊNCIA 
DE ALHAMBRA E NÃO SE RENDER À TENTAÇÃO DE IMORTALIZÁ-LA.Também nesta época, a figura do "marchand" pareceu atuar como um corretor entre artistas e clientes. Os revendedores abriram galerias de arte comercial privadas que colocavam obras de arte e consequentemente os temas da arte, neste caso a Alhambra, em uma nova posição como mercadorias e de fato investimentos. O proprietário de galeria de Granada, Ceferino Navarro, explica que a presença da Alhambra é tão penetrante que "é difícil para qualquer artista residente em Granada, nascido na cidade ou vindo do exterior, viver alienado à influência de Alhambra e não se render à tentação de imortalizá-la". Ao longo da Gran Vía de Granada, uma das ruas principais do centro, a galeria de propriedade de Miguel Ángel Hortal mostra nas vitrines de suas lojas muitos retratos de Alhambra que atraem a atenção dos visitantes; e muitos amantes da arte vêm aqui para comprar obras que reflitam as últimas tendências estéticas tendo Alhambra como tema.

Em 1922, o matemático e artista holandês M. C. Escher visitou Granada e encontrou em Alhambra um universo matemático e geométrico. "Muitos dos mosaicos coloridos nos muros e pisos dos palácios de Alhambra nos mostram que as pessoas mouras foram mestres na arte de preencher a superfície plana por meio de figuras geométricas sem deixar brechas", escreveu ele. Mas a sua inspiração não o levou a retratar a Alhambra a ponto de torná-la um catalisador do crescimento de seu estilo pessoal. Isto é evidente em muitos dos seus padrões hipnoticamente entrelaçados, infinitamente repetíveis nos quais utilizou abstrações de seres humanos e animais de formas que se assemelhassem ao padrões geométricos, vegetais e caligráficos tradicionalmente islâmicos que ele viu exemplificados em Alhambra. 

A resposta de Escher, diz Villafranca, foi uma resposta comum no século XX, quando "as experiências de viagem de artistas geravam ideias mais experimentais e inovadoras", executadas às vezes como pintura ao ar livre e outras vezes como Simbolismo, Impressionismo ou aspectos das escolas vanguardistas. 

Uma dúzia de anos antes da visita de Escher, o artista francês Henri Matisse passou três dias de inverno em Granada. A Alhambra tinha sido aberta recentemente como uma atração turística pública. Este curto período foi suficiente para o artista sentir "uma ruptura com a representação tradicional, a chave à vanguarda artística", diz Villafranca, que organizou uma exposição em 2010 intitulada "Matisse e a Alhambra". Conhecido como o mestre da cor, há muito tempo ele sentia um fascínio pela arte islâmica, especialmente após suas viagens para a África do Norte. Mas Granada resultou decisiva, catalítica. Era uma epifania de novas formas, não somente ornamentação, mas também um jogo desempenhado por luz e sombras que eram filtradas através das paredes de treliça. 

À esquerda: cortesia do artista; à direita: museo nacional centro del arte reina Sofia
À esquerda: no expressionismo luminoso da Granada contemporânea, no "Salão das Duas Irmãs", de Maria Teresa Martín-Vivali, 1996, as abóbadas, as janelas e as telhas da cúpula mais famosa da Alhambra refratam a luz e se dissolvem. À direita: após o exílio seguido da Guerra civil espanhola, Manuel Ángeles Ortiz se tornou especialmente dedicado à Alhambra, onde em 1959 pintou "Paseo de los cipreses" ("O caminho dos ciprestes"), onde a geometria aparentemente simples produz uma perspectiva inesperadamente vertiginosa.

"A Alhambra é uma maravilha", ele escreveu para sua esposa. "Sinto uma emoção intensa lá". Foi aqui que ele começou a desfazer a barreira mental que mantinha entre a arte decorativa e arte "pura", já que na Alhambra, assim como em muito da arte islâmica, ambas habitam um espaço comum. 

"A influência de Alhambra em Matisse não resultou em imitação mas sim em algo mais profundo", diz Villafranca. Depois disto, inspirações a partir de temáticas de Alhambra parecem onipresentes no seu trabalho, como pano de fundo ou como tema central em objetos e desenhos têxteis. Ele foi, diz Villafranca, "o último artista romântico e o primeiro moderno".

"Quando eu preciso de inspiração, eu sempre vou à Alhambra para absorver o pó dourado de sua luz", costumava dizer o artista abstrato de Granada, Manuel Rivera (1927-1994). Ele foi um dos fundadores do El Paso coletivo que ajudou a guiar a vanguarda após a Guerra Civil espanhola. Para ele e outros artistas do início do século XX, a Alhambra resistiu como um farol de inspiração. 

ACIMA, À ESQUERDA: coleções museográficas de patronato de Alhambra e Generalife. Topo e acima à direita (2): cortesia dos artistas
Os jardins de Alhambra tem sido um assunto recorrente entre os artistas modernos e contemporâneos, que acreditam que "o artista não deve imitar a natureza, ao invés disso, ele deve construir uma nova realidade", diz o artista de Granada Juan Vida. Acima à esquerda: "La Vista de la Alhambra" ("A Vista da Alhambra") de Gustavo Bacarisas, 1909-10. Topo: "Muro vegetal" ("Muro vegetal") de Jesús Conde, 2012. Acima, à direita: "Alberca Azul" ("Piscina Azul") de José Manuel Darro, 2000.

De forma similar e influenciado em grande parte por Matisse, o pintor de vanguarda de Granada, Manuel Ángeles Ortiz (1895-1984), tornou-se conhecido pela sua capacidade de "capturar com evocações abstratas a memória e os traços sutis de suas formas," de acordo com o artista contemporâneo José Manuel Darro, também de Granada. "A geometria Nasrid é um convite e um desafio intelectual", acrescenta ele. "Embora a Alhambra tenha sido retratada quase à saturação como um tema pitoresco, exótico ou como uma paisagem, tem sido muito menos comum recriar a linguagem e a geometria dos seus fragmentos".

A linguagem visual subjacente e a geometria do palácio de Nasrid também abrangem profundamente a pintura contemporânea de Miguel Rodriguez-Acosta, nascido em Granada em 1927. O seu estúdio está na antiga casa de sua família somente a alguns minutos a pé dos jardins do palácio. Ele explica a extensão sobre a qual a Alhambra representa um ícone da beleza para os granadinos com uma anedota de família: "Durante uma viagem a Versailles, que a minha família fez quando eu era criança, enquanto andávamos em volta dos jardins do palácio francês, o meu pai perguntou à nossa babá se ela havia gostado da cidade. A senhora, que havia nascido em Granada e incapaz de expressar de outra maneira, disse: ‘É uma Alhambra como todas as Alhambras!’".

Tendo crescido com a Alhambra como uma premissa de beleza, ele é hoje um dos artistas da cidade mais reconhecidos internacionalmente. As suas obras falam por meio de cores, padrões e ritmos; fazem referência a características volumétricas e jardins para atingir "uma sinergia fértil" entre as suas raízes e o seu amor pessoal ao longo da vida pelas tradições italianas, escreve Maria Dolores Jiménez-Blanco no catálogo de retrospectiva de 2003 do artista. "As texturas de camadas cromáticas infinitas… que Rodriguez-Acosta cria com delicadeza infinita, possuem uma possível explicação na contemplação diária de paredes cujo gesso foi lascado e quebrado com o passar dos séculos". E continua: "A rede de pinceladas que compõem a superfície dos seus quadros, que conferenciam neles a imediação do gestural e os unem às tendências de abstração expressiva do século XX, também possuem uma correlação com o gesso filigranado na parte superior das paredes interiores da Alhambra".

À esquerda: cortesia do artista; À direita: coleções museográficas do patronato de Alhambra e Generalife
O artista de Granada, Augusto Moreno, trabalha com folhas metálicas nas quais o aquecimento e ácidos produzem cores, como em "Susurra el moro" ("O Sussurro do Mouro"), 2008, à esquerda. À direita: O "Baño Árabe" de Julio Juste ("Banho Árabe"), 1988, da sua série "Castillo Inferior" ("Castelo Inferior"), inspirada pelo hammam (banho) de Alhambra, é uma colagem de papel, cartolina e madeira que recorda a natureza efêmera dos materiais modestos que os artesãos de Nasrid usaram na construção de Alhambra.

Juan Manuel Brazam, outro artista de Granada que se estabeleceu tanto na Espanha como internacionalmente, diz que se ele houvesse nascido em algum outro lugar, embora ele pudesse ter sido o mesmo fisicamente, o seu trabalho seria diferente. As suas telas, diz ele, são cada vez mais alimentadas pela arte de al-Andalus, o reino de Nasrid e a Alhambra. Ele constrói as suas pinturas com "a transparência da sua luz, o som da água, o jogo dos seus jatos de água". As imagens dos seus mosaicos embutidos, diz, invocam a unidade, a abstração e a geometria. 

Maria Teresa Martín-Vivaldi, pintora e entalhadora, usou a Alhambra em uma série de trabalhos que impõem cor e perspectiva nas abóbadas e azulejos, criando uma visão de sonhos na qual o monumento aparece, obscurece e se dissolve. Asunción Jódar encontra inspiração nos mundos privados das moradoras de Alhambra, que "exclui ou reduz qualquer observação exterior remota ou simplista". 

A proliferação de pinturas baseadas em Alhambra continua entre artistas de Granada mais jovens, os "emergentes", os quais sempre parecem apresentar visões renovadas não importando mais quão impossível pareça ser fazê-lo. Belén Esturla, Silvia Abarca e Leonor Solans todas capturam novos visuais com novas tons de luz através do tratamento de cor. Augusto Moreno, nascido em uma família granadina de escultores, trabalha com folhas de cobre nas quais as cores aparecem por meio das ações de aquecimento e ácidos, não diferente da tradição de cerâmica vitrificada. José Javier García Marcos utiliza a cor com uma fúria que o leva a meio caminho em direção a um Impressionismo abstrato. 

(2): cortesia dos artistas
À esquerda: Um em uma série de esboços chamados "La Alhambra", publicada em 2007 por Miguel Rodriguez-Acosta, abstrai e quase divide em pixels as cores e os padrões, como faz "Rincon de la Alhambra" ("Esquina da Alhambra"), 2010, por José Manuel Darro, à direita. "Embora a Alhambra tenha sido retratada quase à saturação como um tema pitoresco, exótico ou como uma paisagem, tem sido muito menos comum recriar a linguagem e a geometria dos seus fragmentos", diz Darro. "Eu tenho abordado minhas obras com uma certa determinação neste universo formal".

Partindo da definição comum que a arte abraça todas as criações feitas para exprimir uma visão sensível, podemos ver como Alhambra é muito mais que uma bela arquitetura, muito mais que as complexidades vegetais dos arabescos em suas paredes. Fala mais do que as palavras de sua caligrafia Kufic; os reflexos das águas nas suas fontes e lagoas refletem mais do que os seus próprios parapeitos e o céu andaluz brilhante. O poder real do palácio da Alhambra está não só nas suas próprias obras-primas, mas também no poder de impulsionar a criatividade para além de si próprio, além do seu tempo, além do seu lugar, no jardim muito maior da imaginação humana. 

Aqueles que contemplam os jardins e o palácio que a beleza de fato adorna começam a conhecer o seu próprio ser, a sua essência, como o poeta Ibn Zamrak imortalizado na parede de seu Salão das Duas Irmãs. É uma essência não conhecida como entendemos o fato, mas percebida, como tantos artistas mostraram, no modo que conhecemos uma verdade, ou até uma epifania. E logo, a própria Alhambra se transforma no artista, atuando em nós.  

Ana Carreño Leyva Ana Carreño Leyva (acarrenoleyva@gmail.com) é fundadora e ex-editora da revista cultural espanhola El Legado Andalusí e ex-diretora de comunicações da Fundación El Legado Andalusí em Granada, onde foi curadora de várias exposições. Em 2007 ela traduziu A Alhambra Hermética (Port-Royal Ediciones) de Antonio Enrique. Pintora por vocação, ela recorda a primeira vez que os seus pais a levaram para Alhambra quando criança. "Era como entrar em um mundo de magia e sonhos, e a vi pelos olhos da minha imaginação".
A família Boabdil deixa a Alhambra por Manuel Gómez-Moreno González, 1883, ambos imaginam a conquista católica e o exílio resultante do sultão de Nasrid e a sua família Em 1832, o ano em que Contos de Alhambra de Washington Irving foi publicado, o artista inglês David Roberts visitou a Espanha, mas pintou A Torre de Comares, à esquerda, em 1838, um pouco antes de partir para a que se tornaria sua viagem mais famosa, para o Egito e o Levante. Assim como Roberts, o artista francês François Antoine Bossuet, ao pintar o 'Porte de Justice' da Alhambra por volta de 1870, utilizou o que eram naquela época técnicas bem desenvolvidas do Orientalismo Romântico: iluminação perfeitamente quente, detalhes precisos (influenciado pela invenção da fotografia) e pequenas figuras que acentuam o espaço exagerado e perspectivas, técnicas evidentes também nas imagens abaixo.   Também em 1832, o desenhista francês Joseph-Philibert Girault de Prangey estava no final de seus 20 anos quando visitou Alhambra. O Pátio dos leões, à esquerda, uma gravura daquela visita, amplia tanto a altura como a área do pátio para um efeito dramático, o guitarrista sonolento pode ser visto como uma metáfora da ideia comum de Orientalistas de um 'leste sonolento'. Naquele mesmo ano, o aquarelista inglês John Frederick Lewis começou a residência de dois anos na Espanha, durante a qual produziu a imagem não titulada, uma mulher contemplando as torres da Alhambra. As obras de ambos os artistas foram amplamente divulgadas para a aclamação popular. 1. Joaquín Sorolla de Valencia, Espanha, 1917;  3. Impressionista americano Frederick Child Hassam, 1883; 2. litografia de Girault de Prangey, 1836-37; 4. Orientalista americano Edwin Lord Weeks, 1876. 5. Juan Vida, 1996; 6. Leonor Solans, 2005; 7. Eugenio Gómez-Mir, 1920;  8. José Maria López-Mezquita, início do séc. XX; 9. Jesús Conde, 2009;  10. José Guerrero, 1974;  11. Socram, 2009; 12. Silvia Abarca, 2014; 13. José Maria Rodriguez-Acosta, 1904, Miguel Rodriguez-Acosta, 2007; Brazam, 1993, que como muitos, diz ser indelevelmente influenciado pela Alhambra, 'pela transparência da sua luz, o som da água O pintor francês Henri Matisse, que visitou durante três dias em 1910, foi 'o último artista romântico e o primeiro moderno', diz Maria del Mar Villafranca. 'A influência da Alhambra em Matisse não resultou em imitação mas sim em algo mais profundo': temas que posteriormente inspiraram o seu estilo, como visto nos modelos de seu 'Interior com Berinjelas' de 1911, De forma similar, uma visita em 1922 inspirou o artista holandês e matemático M.C. Escher a representar não o palácio ou a sua arte, mas sim desenhar a partir da arte de Alhambra uma inspiração pessoal do seu próprio entrelaçamento, padrões infinitamente repetíveis que muitas vezes se parecem com os padrões geométricos e vegetais tradicionalmente islâmicos que ele viu na Alhambra, como na sua xilogravura de 1941, 'Peixe', à direita. No mesmo ano que Matisse visitou Alhambra, o pintor valenciano Joaquín Sorolla, então próximo de seus 50 anos, começava a produzir trabalhos no sul da Espanha e na Alhambra especialmente, o que criou uma ponte para o Impressionismo, Simbolismo e Modernismo, incluindo a 'Torre de los Siete Picos' O pintor contemporâneo Miguel Rodriguez-Acosta, que cresceu em uma casa ao lado das muralhas de Alhambra, presta homenagem à cor vermelha, a raiz árabe do nome al-hamra, na sua pintura 'Vesperal' ('Cântico') de 2009, que equilibra cores, padrões, geometria e pinceladas. À esquerda: No expressionismo luminoso da Granada contemporânea, no 'Salão das Duas Irmãs', de Maria Teresa Martín-Vivali, 1996, as abóbadas, as janelas e as telhas da cúpula mais famosa da Alhambra refratam a luz e se dissolvem. Após o exílio seguido da Guerra civil espanhola, Manuel Ángeles Ortiz se tornou especialmente dedicado à Alhambra, onde em 1959 pintou 'Paseo de los cipreses' ('O caminho dos ciprestes'), onde a geometria aparentemente simples produz uma perspectiva inesperadamente vertiginosa. 'Muro vegetal' ('Muro vegetal') de Jesús Conde, 2012. 'La Vista de la Alhambra' ('A Vista da Alhambra') de Gustavo Bacarisas, 1909-10. 'Alberca Azul' ('Piscina Azul') de José Manuel Darro, 2000. O artista de Granada, Augusto Moreno, trabalha com folhas metálicas nas quais o aquecimento e ácidos produzem cores, como em 'Susurra el moro' ('O Sussurro do Mouro'), 2008, à esquerda. O 'Baño Árabe' de Julio Juste ('Banho Árabe'), 1988, da sua série 'Castillo Inferior' ('Castelo Inferior'), inspirada pelo hammam (banho) de Alhambra, é uma colagem de papel, cartolina e madeira que recorda a natureza efêmera dos materiais modestos que os artesãos de Nasrid usaram na construção de Alhambra. À esquerda: Um em uma série de esboços chamados 'La Alhambra', publicada em 2007 por Miguel Rodriguez-Acosta, abstrai e quase divide em pixels as cores e os padrões 'Rincon de la Alhambra' ('Esquina da Alhambra'), 2010, por José Manuel Darro,

 

This article appeared on page 4 of the print edition of Saudi Aramco World.

Check the Public Affairs Digital Image Archive for Julho/Agosto de 2014 images.