Volume 63, Número 5Setembro/Outubro de 2012

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alfrEdo daglI ortI / art archIvE / art rEsourcE
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As orquestras europeias usaram bumbos e pratos em 1760, 40 anos após esta miniatura, no topo, para retratar uma banda mehter montada. Ela mostra seis trombetas ("boru"), seis pares de pratos ("zil"), oito bumbos ("davul") e três pares de tímpanos ("kös").
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Como o eco musical de um ancestral distante, com marcha precisa e uma música agitada que acelera as batidas do coração, as bandas marciais americanas são as descendentes mais famosas da música meher hoje em dia, simbolizando o orgulho local tanto nos jogos de futebol quanto nos desfiles em dias de feriado.
fatih saribas / reuters / corbis
As bandas militares europeias, como a banda inglesa que toca anualmente na parada "Trooping of the Colour", incorporaram instrumentos turcos, mas evitaram suas melodias.

Você pode ouvir seu eco quando os pratos estalam e o bumbo ressoa durante a apresentação de uma banda marcial em um jogo de futebol. Ela reverbera ao longo dos séculos quando uma orquestra marca as últimas notas da Nona Sinfonia de Beethoven. E ela também pode ser percebida quando o som de uma banda de rock invade o espaço do show. É uma "impressão sonora" inconfundível — o DNA musical — dos mehter, os vibrantes mestres musicistas do Império Otomano.

Ouça uma amostra da música mehter aqui

Houve uma época em que essa música encorajou os soldados turcos, foi objeto de serenatas para os sultões e inspirou os místicos. Os europeus fizeram sátira dela em um primeiro momento, mas terminaram por incorporar seus sons tão característicos, transformando a música das bandas e orquestras ocidentais.

A palavra Mehter (que se pronuncia "meh-tare", cujo significado é “superior”) se referia originalmente a todos os funcionários de alto nível. Diz a lenda que Alaeddin, o líder Seljuk, presenteou o primeiro sultão otomano, Osman I, com um precursor da mehterhane, ou “banda mehter”, em 1289, e que o sultão permanecia onde quer que a banda tocasse, em honra a Alaeddin. Esse costume acabou desaparecendo, mas a mehterhane tornou-se um símbolo do Império Otomano e do próprio sultão. Os músicos da banda eram parte do "kapıkulu" ou "criadagem" do sultão e estavam entre os homens mais bem pagos da equipe imperial. Mas por volta do século XVII, as pessoas associaram o termo mehter com os músicos do sultão.

Os músicos mehter foram uma parte importante da musicalidade do Império Otomano, que durou de 1299 a 1923 e dominou o Oriente Médio e parte da Europa em seu apogeu. Havia também compositores sofisticados na corte, assim como músicos virtuosos, mestres da música Sufi, cantores de igrejas e sinagogas, poetas itinerantes e bandas locais. Ao longo do século XVII, o viajante turco Evliya Çelebi notou que o Império Otomano tinha 40 guildas de músicos, cantores e fabricantes de instrumentos.

Os europeus tinham diversas oportunidades para ouvir as bandas mehter, pois a partir da conquista de Constantinopla pelos Otomanos em 1453 até 1699 — um período conhecido como as Guerras Turcas — eles trabalharam para estender seu poder sobre a Europa Oriental, trazendo seus músicos junto com eles para as batalhas. Só se pode imaginar a impressão que teriam causado nos europeus, que nunca tinham escutado os pratos e os bumbos sendo tocados em conjunto.

Um soldado prussiano que visitou Constantinopla com o imperador polonês Augustus II no começo do século XVIII, por exemplo, lembrou-se anos depois do desconforto causado pela procissão da banda mehter que passava por seu alojamento todas as manhãs. Era “ensurdecedora com seus inacreditáveis 'charivari'”, ele disse.

Ele certamente tinha ouvido diversos "zurnas" estridentes, instrumentos parecidos com um "oboe" de palhetas duplas, tocando a melodia e por vezes alternando com um coro caloroso. Trombetas, ou "boru", tocavam notas acentuadas. E havia ainda pequenos timbales ("nekkare"), bumbos ("davul") e pratos("zil"). O " çevgan", um funcionário alto com uma grande lua crescente de metal, festejava com sinos e algumas vezes com cavalinhas, adicionando um alegre tilintar para animar as coisas. Se a banda do sultão passasse, ele teria escutado também o retumbante trovão dos kös, timbales feitos com pele de camelo, tocados por músicos montados sobre o referido animal. As bandas oficiais tinham entre sete e nove músicos tocando cada tipo de instrumento, intensificando o efeito de cada um deles.

Antoine Galland, tradutor de As Mil e Uma Noites para o francês, ficou extremamente impressionado pelos "kös" durante suas visitas a Constantinopla em 1672 e 1673. “O que fez tudo tremer e balançar foi o trovão de quatro timbales ("kettle-drums"), maiores do que eu jamais havia visto ou ouvido falar, carregados sobre camelos. Não havia ninguém que não ficasse aturdido com eles e que não tivesse seu corpo agitado por dentro e por fora”.

Até os turcos podiam achar a música avassaladora. “Eles fazem tamanho estrondo que Vênus começa a dançar e os céus ressoam”, escreveu Çelebi sobre os mehter. E sobre quando eles passaram, disse: “seu barulho comprime os cérebros dos homens para fora de suas bocas”.

As bandas Mehter eram particularmente famosas por se apresentarem em batalha para encorajar a infantaria otomana, os janízaros, membros das tropas de elite compostas por garotos selecionados dos territórios não turcos do Império. Atualmente, os músicos mehter continuam sendo fonte de orgulho nacional na Turquia, onde eles são associados a musica militar.

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Este jovem visitante às apresentações frequentes da herança mehter no Museu Militar Turco em Istambul pode concordar com o soldado prussiano que, no início do século XVIII, reclamou que a banda mehter era “ensurdecedora com seus inacreditáveis 'charivari'”.

Para Mehmet Sanlıkol, músico turco que cresceu tocando rock e jazz, a música mehter é como “o som de Led Zeppelin, os Headhunters de Herbie Hancock e James Brown”. Mas Sanlıkol, atualmente músico profissional e professor de música em Boston, revela em seu livro "The Musician Mehters" que seu repertório era muito mais amplo do que as canções de guerra.

Na qualidade de bandas oficiais do governo, periodicamente elas tinham deveres imperiais em Constantinopla. Elas despertavam as pessoas antes da chamada matinal para a oração e apresentavam concertos à noite em castelos e torres. Elas acompanhavam o sultão quando ele se movimentava pela cidade e lhe faziam serenatas enquanto ele era barbeado. Elas entretinham em cerimônias e celebrações para visitantes do governo e em cerimônias promocionais. Embaixadores otomanos e oficiais das províncias tinham suas próprias bandas mehter, um pouco menores.

Além da música militar, as bandas tocavam "peşrev" e "sama‘i", majestosas peças instrumentais que também eram populares junto a outros conjuntos musicais. Os grupos de Mehter também tocavam músicas religiosas para peregrinos que faziam a peregrinação para Meca.

Bandas de mehter menores e extraoficiais tocavam músicas folclóricas em casamentos. Uma típica canção turca diz: “Não me importo com o que aconteça desde que a mehter toque e o casamento prossiga”.

As irmandades Sufi também tocavam músicas de estilo mehter, usando pratos e o "kuddum", um timbale maior do que o "nekkare". O sultão Selim III (1796–1808) emprestou seu conjunto pessoal de "kös" para o "Istanbul Mevlevi Lodge", centro do qual ele era membro.

Os europeus denominavam as mehterhane incorretamente de “bandas janízaras”, ressalta Sanlikol, observando que os historiadores turcos nunca se referiram a elas dessa forma. Ele complementa dizendo que os músicos mehter sempre tocavam sobre cavalos em batalha, enquanto os janízaros sempre foram expressamente proibidos de montar. Entretanto, a denominação pegou.

Quando o poeta alemão Christian Schubart escutou um grupo mehter tocando na Europa em meados do século XVIII, ele escreveu que a música deles era “tão bélica que até almas covardes inflavam o peito”. Ele considerou seus ritmos diretos excelentes para os militares. “Cada batida é tão fortemente delineada e com tamanho acento viril, novo e pronunciado, que é quase impossível sair do passo" ele observou.

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uando os otomanos tomaram Viena pela segunda e última vez em 1683 (a primeira vez foi em 1529), os músicos mehter os acompanharam. Paul Rycaut, um diplomata inglês que observara a batalha, escreveu: “No dia 26 [de julho], os turcos, planejando um furioso assalto, tocaram em suas notas mais altas a sua música beligerante, com flautas, pratos e trombetas de bronze, que tinham som estridente, para encorajar seus soldados a efetuar o ataque”.

Depois da derrota de seu exército em Viena, diz a lenda que a mehterhane, ao bater em retirada, deixou seus instrumentos no campo. Foi assim que os vienenses se apropriaram do bumbo e dos pratos. Mas essa hipótese ignora o fato de que comerciantes e diplomatas já visitavam Istambul e escreviam sobre os músicos mehter há séculos,alimentando a fascinação por tudo o que era turco. Europeus vestiam-se como turcos para bailes a fantasia e desfiles e incluíam personagens turcos em peças e óperas. Bandas de rua imitando sons turcos se apresentavam nas esquinas de Viena.

“Esse é um exemplo perfeito de como as culturas não existem isoladamente" afirma o Dr. Robert Labaree, professor da Escola Conservatória de Música de Boston New England e perito em música otomana. “Mesmo quando as pessoas estão em conflito elas moldam as vidas de todos que estão do outro lado da linha”.

Em 1699, os turcos e os europeus assinaram o Tratado de Karlowitz, pondo fim às Guerras Turcas e dividindo a Europa oriental em esferas de influência. Para marcar a ocasião, os otomanos mandaram uma banda mehter para se apresentar em Viena durante vários dias. Nas décadas seguintes, os embaixadores otomanos indicados para as capitais ocidentais levaram consigo bandas mehter.

O século XVIII é caracterizado pela paixão europeia pela cultura turca, conhecida como "Turquerie", ou "Turcomania". Dezenas de óperas foram escritas com cenários turcos. Os europeus fumavam tabaco turco em narguilés e bebiam café turco enquanto vestiam seus trajes turcos. Personagens e interlúdios turcos apareciam em balés e peças que não estavam de outra forma relacionadas a tal cultura. Aristocratas eram retratados em pinturas vestindo trajes turcos, decoravam seus quartos particulares com motivos turcos e devoravam o texto recém traduzido de As Mil e Uma Noites (que não era turco).

Inicialmente, a sonoridade mehter era imitada como um tipo de caricatura da Turquia, do Oriente Médio e do Oriente, conta Labaree. Entretanto, dentro de décadas, seus sons percussivos foram absorvidos, ajudando a transformar tanto bandas militares quanto orquestras ocidentais.

As bandas militares foram as primeiras a adotar os sons de percussão da música mehter. Em 1720, o sultão Ahmed III enviou a Augustus II da Polônia uma banda mehter inteira de presente, e o exército polonês adotou dali em diante o estilo de banda turco. Para não ser ofuscada, a imperatriz Anna da Rússia obteve sua própria banda mehter da Turquia em 1725, e a fez tocar na assinatura do Tratado de Belgrado, celebrado entre russos e turcos em 1739. A Áustria e a França foram as próximas a adotar o estilo de música turco. Ao final do século XVIII, bandas militares tocavam bumbos e pratos na maior parte da Europa. Apesar de as bandas europeias adorarem o estilo percussivo turco, elas nunca adotaram suas melodias.

As bandas europeias também adotaram o "çevgan" da mehterhane, ou seja, os músicos que tocavam os sinos. Os ingleses os chamavam de “jingling johnnies”; e os alemães lhes denominaram de "schellenbäume", ou “árvores de sinos”. Eles vieram a sinalizar um regimento ou unidade militar e permaneceram em algumas bandas europeias até a Primeira Guerra Mundial. De fato, são usados até hoje pelas bandas alemãs.

No início, os europeus importavam músicos turcos para essas bandas e enviavam seus próprios músicos até a Turquia para treinamento. Depois, eles passaram a usar músicos negros, que se apresentavam vestindo trajes orientais exóticos.

s bandas marciais americanas incorporaram naturalmente as tradições das bandas europeias. E quando a popularidade das bandas marciais se estendeu a bandas civis e escolares, os pratos e os bumbos herdados dos músicos mehter marcharam rumo aos desfiles e aos campos de futebol.

A música Mehter também se apossou da ópera. Compositores escreveram dezenas de óperas com temas e cenários turcos e incluíram músicas que imitavam a música mehter. O primeiro compositor a usar os pratos turcos na ópera foi Nicolaus Strungk em sua ópera Esther, de 1680. Entretanto, foi apenas por volta de 1760, quando as bandas militares da Europa tinham adotado o som da percussão turca e a Turcomania estava a todo vapor, que o uso notório do então denominado "som de bandas janízaras" alcançou o palco da música artística.

cortesia de mehmet sanlikol
As bandas oficiais faziam muito mais do que apenas tocar em batalhas: elas anunciavam a chamada para a oração, acompanhavam o sultão pela cidade e se apresentavam aos visitantes do governo. Outras bandas, como esta mostrada acima, tocavam músicas religiosas para os peregrinos ao longo de sua rota, e em outras ocasiões religiosas. Abaixo: Os numerosos tambores "kös" eram geralmente colocados sobre o lombo de camelos, em pares.
john weston

A primeira apresentação em ópera de bumbos e pratos em conjunto ocorreu na ópera de Christoph W. Gluck, Le Cadi Dupé, de 1760. Mozart, compositor da mais famosa ópera turca, A abdução do Harém incluiu o som mehter na abertura e na “Marcha dos Janízaros”. Enquanto a compunha, ele escreveu: “Você não pode imaginar a dificuldade de estruturar uma ópera para uma banda militar, de torná-la apropriada para instrumentos de sopro sem sacrificar nenhum de seus efeitos”.

Compositores clássicos europeus também começaram a escrever composições em um estilo melódico chamado "alla turca", ou seja, sua interpretação da música turca. A música "alla turca" incluía notas ornamentais tais como apogiaturas e “leaping thirds”, medidas contínuas e hipnóticas (incluindo a cadência “esquerda, esquerda, esquerda direita esquerda”), melodias repetidas e com tons maior e menor frequentemente alternados. Composições "alla turca" fizeram parte dos trabalhos de Mozart, Haydn, e Beethoven.

No ápice da Turcomania, produziu-se um pedal para pianos chamado de pausa “janízara” ou “turca”, que lembrava o som de bumbo, de pratos, de sinos e de chocalhos. Os pianistas adoravam usá-lo enquanto tocavam a sinfonia de Mozartdenominada "Rondo Alla Turca", uma de suas composições para piano mais famosas.

Quando Beethoven compôs sua Nona Sinfonia, em 1824, os elementos percussivos que antes eram considerados importações exóticas da Turquia tinham sido incorporados à orquestra clássica ocidental.

O último movimento da Nona Sinfonia de Beethoven apresenta a seção "alla marcia", também conhecida como a "marcha turca", uma passagem vibrante com um solo de tenor e coro masculino, sobre uma percussão militar composta de pratos e triângulos. A Dra. Mary Hunter, professora de música do Bowdoin College e perita em música do século XVIII, diz que é impossível saber se Beethoven estava se referindo expressamente à música turca ou apenas a um estilo militar mais amplo.

Todavia, basta escutar as últimas medidas da Nona Sinfonia, para ouvir nitidamente como o som da percussão mehter foi incorporado à orquestra. A música termina com uma série de esplêndidos estampidos de pratos.

nquanto os sons da percussivos mehter eram incorporados pelas bandas e orquestras europeias, as bandas mehter, por sua vez, desapareciam. Em 1826, o sultão Mahmud II dissolveu a infantaria janízara e a mehterhane, contratando o condutor de banda italiano Giuseppi Donizetti para substituí-la. Ele remodelou as novas bandas militares ao estilo ocidental, abandonou o antigo repertório mehter e o substituiu por marchas ocidentais - as quais, entretanto, tinham raízes mehter. "Então, o que havia deixado a Turquia como algo importado do oriente pelo ocidente voltou para a Turquia como algo importado do ocidente pelo oriente". explica Labaree.

Apesar de as bandas mehter terem desaparecido, o mesmo não aconteceu com os fabricantes de pratos que os forneciam há séculos. Eles começaram a atender novos mercados na Europa e na América. Uma companhia em particular aproveitou os tempos de mudança.

No começo do século XVII, no apogeu das bandas mehter, um ferreiro armênio que morava na Turquia e se chamava Avedis viveu e trabalhou no palácio do sultão. De acordo com as lendas da família, ele também era alquimista. Quando ele descobriu a receita para tornar os pratos de bronze mais fortes e mais finos, o sultão concedeu a ele o título de zildji, ou “fabricante de pratos”, presenteou-o com 80 moedas de ouro e ordenou que ele produzisse pratos para a mehterhane. Em 1623, o sultão seguinte o liberou de seu trabalho para o governo. Avedis formou sua própria companhia e continuou a fabricar pratos para as bandas mehter, bem como para igrejas armênias e gregas. Dando origem a uma tradição familiar, ele transmitiu a fórmula secreta para produzir pratos leves de bronze a seu filho mais velho.

Depois que as bandas mehter desapareceram, a Zildjian Company passou a produzir pratos para atender às necessidades das bandas marciais e orquestras ocidentais. Avedis Zildjian II construiu uma escuna e viajou para a Europa para mostrar os produtos da companhia em exibições internacionais. Seus pratos foram premiados em Paris, Londres, Viena, Bolonha e até em Chicago.

No topo: cortesia da companhia zildjian,
abaixo: tom kates / zildjian company
Topo: Avedis Zildjian em frente à porta da fábrica que, em 1929, tornou-se a sede de seu negócio familiar quando ele deixou suas raízes na Turquia e mudou-se para Chicago, . Ali, o primeiro Avedis havia sido o "zildji" (fabricante de pratos) para as bandas mehter do sultão no começo do século XVII.

Acima: ainda baseados no sul de Boston, Craigie e Debbie Zildjian são a 14a. geração a dirigir a Zildjian Company, que atualmente atende cerca de 65 por cento do mercado global de pratos.

Após o término da Primeira Guerra Mundial e o fim do Império Otomano, Aram Zildjian, então proprietário da companhia, decidiu que era hora de transmitir a fórmula para a próxima geração. Em 1929, ele visitou seu sobrinho Avedis III, que havia se mudado para Massachusetts e dirigia uma fábrica de doces. Eles construíram uma fábrica de pratos em Quincy, no sul de Boston, perto do mar. Era a localização perfeita, já que parte do processo da Zildjian implica banhar o bronze recém-forjado em água fria.

O ano de 1929 não foi o melhor para estabelecer uma companhia nos EUA, tendo em vista a Grande Depressão que se aproximava. Entretanto, os Zildjian tiveram sorte. Eles começaram suas atividades bem a tempo de aproveitar a popularidade do jazz e do swing. Assim como seus ancestrais uma vez haviam trabalhado para suprir as necessidades dos músicos mehter e depois das bandas marciais e das orquestras, Avedis III procurou os grandes bateristas de jazz. Ele lhes perguntou de que eles precisavam e a Zildjian começou a produzir. Mais tarde, a companhia forjou pratos maiores para se adequar à era das grandes bandas. Quando os Beatles apareceram no Ed Sullivan Show, em 1964, Ringo Starr usou pratos Zildjian, o que resultou na encomenda de 90.000 pratos da companhia.

Hoje, a Zildjian é líder mundial na fabricação de pratos, atendendo aproximadamente 65 por cento do mercado Além disso, ela é a empresa familiar mais antiga nos EUA, com 14 gerações de Zildjian — o atual CEO é Craigie Zildjian — a conduzi-la.

Em 2011, a Zildjian apresentou dois inovadores produtos que permitem maior opção de sons, chamados de Gen16 em homenagem aos netos do atual administrador. A companhia digitalizou os sons de pratos de seu lendário cofre e lançou uma nova linha de pratos eletroacústicos que podem ser tocados em volumes mais baixos, com diversas opções de som. “Meu pai insistia para que seguíssemos a música e, com a linha Gen 16, fizemos exatamente isso” conta Craigie Zildjian.

Enquanto isso, na Turquia, os sons dos pratos e bumbos mehter podem ser escutados novamente. O Museu Militar Turco em Istambul apresenta regularmente concertos de bandas mehter para turistas, compostas por músicos que se vestem em trajes tradicionais e tocam principalmente marchas militares modernas. A ideia de explorar o repertório mehter original ainda não pegou na Turquia,a contrário de Boston.

m 2000, Mehmet Sanlıkol, então estudante de graduação da Escola Conservatória de Música de Boston New England, escutava música mehter que ele havia baixado da internet para estimulá-lo enquanto ele jogava “Risk” com alguns amigos. “O computador começou a repetir a música” ele se lembra. “Enquanto tentava entendê-la, eu entrava ainda mais em sintonia e, ao fazer isso, eu ficava ainda mais absorto. Fui me deitar com o som do 'zurna' e do 'davul' na cabeça… e não conseguia dormir”.

Essa introdução à música mehter levou Sanlıkol a uma importante exploração da música clássica turca. Ele aprendeu a tocar instrumentos como a zurna e formou a Dünya, uma cooperativa sem fins lucrativos cujo nome significa “mundo” em turco, árabe, persa e grego, e que apresenta diversas facetas da música turca, tanto anteriores quanto posteriores ao império turco. Um dos projetos da Dünya é o que Sanlıkol chama de uma banda mehter “erudita”, a New England Drum and Winds Mehterhane. É a única mehterhane no mundo tocando repertório anterior a 1826.

“Quando comecei a pesquisar à fundo a cultura otomana em geral, percebi rapidamente que o repertório mehter na Turquia era dominado por música relativamente nova” recorda Sanlıkol . “Achei tão irônico que milhões de turcos pensem que essas marchas influenciadas pela cultura ocidental tenham mais de mil anos de idade”.

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Ainda que contando com um número menor de músicos do que as antigas bandas mehter otomanas, a New England Drum and Winds Mehterhane, baseada em Boston, pode ser a única no mundo que atualmente toca música mehter do repertório anterior a 1826. Esse foi o ano em que a música mehter turca começou a ser oprimida, ironicamente, pelos estilos de marcha ocidentais que ela havia inspirado no passado.

Através de seu livro, da Dünya e de sua banda, Sanlıkol espera que um dia as pessoas percebam o real valor da tradição mehter. O ultimo CD da Dünya, A Story of the City: Constantinople, Istanbul, foi indicado ao Grammy em 2011. O álbum apresenta uma miscelânea de músicas otomanas e inclui uma das músicas de batalha mais antigas, “Çengi Harbi” ou “Pratos da Guerra”.

“Eu amo o som da música mehter. Amo o poder que ela tem”, afirma Sanlikol, que está determinado a compartilhar a herança musical de sua terra natal. “Quanto mais eu descubro sobre o mehter, mais aprendo quão diversas e cosmopolitas eram a sociedade e a música otomana”.

Graham Chandler

Kay Hardy Cambell (www.kayhardycampbell.com) vive perto de Boston onde ela toca o "‘ud" e ajuda a dirigir o Retiro de Música Árabe anualmente no Mount Holyoke College.

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--Os Editores


 

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