marca o 200° aniversário de Giuseppe Verdi, o compositor italiano de uma das óperas mais populares de seu tempo: Aida. Tendo como seu cenário o antigo Egito, a peça foi apresentada no grande anfiteatro romano de Verona, na Itália; na frente do Templo de Luxor (Temple of Luxor), no Egito; e em milhares de vezes, literalmente, nas casas de ópera, grandes e pequenas, de todo o mundo. O sucesso da Aida foi surpreendentemente longo.
quediva Ismail, governador do Egito desde 1863, estava determinado a não poupar nas celebrações que marcavam a inauguração do Canal de Suez, em 1869. Claro que era muito caro hospedar mil convidados oficiais com estilo e, certamente, era muito caro construir o novo Gezira Palace especificamente para hospedar a sua visitante mais ilustre, a Imperadora Eugénie, da França. Além disso, era extremamente caro construir todo um quarteirão da cidade de Cairo para a ocasião – principalmente um quarteirão que lembrava a Paris redesenhada do Barão Georges Haussmann, cheia de boulevards com lâmpadas a gás, jardins com lindas paisagens e o primeiro teatro de ópera de Cairo. No entanto, o quediva acreditava que “meu país não faz mais parte da África; agora, somos parte da Europa” e que o Canal de Suez mudaria o curso da história mundial ou, no mínimo, o curso do comércio internacional.
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“Meu país não faz mais parte da África; agora, somos parte da Europa”, dizia o quediva egípcio Ismail Pasha, que inaugurou o Canal de Suez, reconstruiu parte da cidade do Cairo e criou um epítome da alta cultura: um teatro de ópera modelado com base no famoso La Scala, de Milão, que ele inaugurou, em 1869, com a ópera Rigoletto de Giuseppe Verdi (acima). Apesar da homenagem, de início Verdi rejeitou o convite de Ismail e, mais tarde, seu medo do mar o impediu de comparecer à inauguração. |
Dessa forma, as celebrações durante a inauguração do canal tinham de ser magníficas. E o que poderia ser mais impressionante que pedir ao famoso compositor italiano Giuseppe Verdi, cujo trabalho repercutia em todo o mundo, a criação de uma ode de celebração para marcar a inauguração?
Lamentavelmente, Verdi não estava nem um pouco entusiasmado. Sua resposta foi educada, mas também muito clara: “Sinto muito recusar essa homenagem devido ao número de minhas atividades atuais e ao fato de não ser um costume meu compor peças ocasionais”.
No entanto, Verdi não foi esquecido. No início de novembro de 1869, Ismail inaugurou seu novo teatro de ópera – decorado de carmesim, branco e dourado – com uma produção de uma das óperas mais populares do compositor, Rigoletto. Apresentada por um elenco italiano excelente e por 61 músicos do teatro La Scala, conduzidos por um ex-aluno e amigo íntimo de Verdi, Emanuele Muzio, Rigoletto foi um grande sucesso, e o próprio teatro de ópera também ficou famoso. A construção luxuosa realizada por Ismail, bem como a apresentação, pareceram encantar a Imperatriz Eugénie e todas as outras pessoas que tinham coroas em suas cabeças que participaram da celebração. Com seus camarotes dourados e seus lustres brilhantes, o teatro era claramente uma construção adequada a uma imperatriz, a um rei ou a um quediva. E, para complementar, Ismail desejava realizar a estreia da primeira ópera do mundo a homenagear as glórias do Egito: uma nova peça composta por ninguém mais que o próprio excelente compositor, Verdi.
Ao contrário do que parecia, o desejo de Ismail logo começou a se tornar realidade. Na véspera de Natal de 1871, as cortinas do teatro de ópera Khedival subiram para revelar uma cena impressionante do antigo Egito em toda a sua glória. A Aida, a ópera mais espetacular da época, estreou na cidade do Cairo.
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Impressionado pela história de uma garota escrava da Etiópia, escrita por Auguste Mariette (acima), arqueólogo e diretor de antiguidades egípcias, Verdi começou a mudar de ideia. |
Como isso aconteceu? Por que Verdi, que não queria ser incomodado para escrever uma simples ode, de repente se comprometeu a escrever uma ópera completa sobre o Egito?
Houve vários motivos, mas o primeiro deles foi, com certeza, o fato de Verdi ter encontrado na sinopse de Aida aquilo que ele mais valorizava: uma excelente história.
Aida tinha tudo: a linda princesa cativa (a personagem relacionada ao título da peça); o ambicioso soldado Radamès, que a amava; e, finalmente, Amonasro, o pai de Aida, que acreditava que o amor de sua filha pelo país superaria seu amor por Radamès. Também havia Amneris, a princesa poderosa e invejosa que competia com Aida pelo amor de Radamès – e, dando apoio a tudo isso, havia a incrível pompa e esplendor do antigo Egito, adaptados ao palco do século XIX.
Para entender completamente como surgiu a Aida, no entanto, precisamos voltar a 1867, quando o quediva visitou Paris para inaugurar a exposição egípcia que seria realizada na Exposition Universelle (Exposição Universal). Ismail tinha estudado na French General Staff College em Paris na década de 1840, mas a cidade tinha mudado bastante desde essa época. Sob o comando do Imperador Napoleãoiii, o Barão Haussman, prefeito de Seine, tinha substituído as vielas medievais e sinuosas por boulevards longos e retos com lâmpadas a gás e construiu edifícios novos e belos nos principais cruzamentos. Talvez o mais lindo de todos eles – e certamente o mais caro – foi o monumental teatro de belas artes Opéra Garnier. Embora ainda estivesse em construção em 1867, o edifício era largo o suficiente para que sua bela fachada pudesse ser vista e admirada.
Com o Opéra Garnier ainda não concluído, os fãs assíduos de teatro parisienses continuavam a frequentar o teatro mais familiar, Opéra Le Peletier. O quediva fazia parte desses fãs e, em 19 de agosto, assistiu a uma apresentação de Don Carlos, a ópera mais recente de Verdi. Foi uma apresentação da qual ele nunca se esqueceu. Seja por causa da música poderosa de Verdi, das montagens e trajes luxuosos ou da simpatia por um jovem príncipe condenado, Ismail de repente se tornou um devoto da ópera e, especialmente, das óperas de Verdi.
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Em junho de 1870, Verdi e o diretor de teatro Camille du Locle trabalharam juntos para criar o libreto da peça em francês. Esta página do Atoiv mostra as notas de rodapé escritas por Giuseppina, esposa de Verdi. |
Quando retornou para o Cairo, a mente do quediva girava com planos para recriar a cidade do Cairo da mesma forma que Haussman tinha recriado Paris. Ele transformaria as ruas em largos boulevards e, no lugar em que o novo quarteirão de Isma’ilyah se encontrava com os Jardins Ezbekiya do antigo quarteirão, ele construiria o primeiro teatro de ópera do Egito – e de qualquer outro lugar do Oriente Médio.
Para Ismail, que acabara de retornar de Paris, um teatro de ópera representava o ícone cultural da época. Somente com um teatro de ópera a cidade do Cairo poderia esperar ser inclusa entre as maiores capitais da Europa. E nada melhor que um teatro que se parecia com o La Scala, o grande edifício de Milão no qual estrearam tantas óperas de Verdi.
A empresa italiana Avosani & Rossi foi bem-sucedida com a construção e conseguiu até mesmo concluir o edifício a tempo de hospedar a Imperatriz Eugènie e outros na noite de inauguração da peça Rigoletto. Conforme o previsto, a produção de Cairo encantou todos que a assistiram. No entanto, ninguém ficou mais encantado que Ismail que, agora, estava determinado mais do que nunca a realizar seu sonho de uma ópera egípcia.
Havia apenas um problema: Antes de existir uma ópera, era necessário existir uma história.
A fonte dificilmente poderia ser menos provável.
uguste Mariette, conhecido no Egito como Mariette Bey, nunca se considerou um compositor. Também não era um dramaturgo. Ele era diretor de antiguidades egípcias, um cargo para o qual tinha sido nomeado em 1858, após vários anos de um excelente trabalho como arqueólogo. Como supervisor de mais de 35 escavações, palestrante de conservação dos monumentos e curador do Museu Egípcio de Antiguidades (Egyptian Museum of Antiquities), ele e sua imaginação eram dominados pelas glórias do antigo Egito. Mariette tinha escrito uma história sobre essa distante época - uma história sobre uma garota escrava da Etiópia, uma princesa egípcia e o capitão egípcio que essas duas mulheres amavam. Para Mariette, e para muitos outros, a história de Aida parecia o veículo perfeito no qual a ópera egípcia tão desejada pelo quediva poderia se basear.
Não se sabe ao certo se Mariette mostrou sua história ao libretista e diretor de teatro francês Camille du Locle enquanto guiava seu amigo pelo Egito em 1868. O que se sabe é que o plano de Mariette para adaptar sua história em ópera era algo predominante na mente de du Locle quando visitou Verdi em Genebra, em dezembro de 1869.
Du Locle e Verdi trabalharam juntos com bastante sucesso para a criação de Don Carlose, esperando trabalhar com Verdi em uma nova ópera, muitas vezes du Locle enviava a Verdi possíveis temas que poderiam ser considerados. Naquele mês de dezembro, ele sugeriu uma ópera que se passava no antigo Egito, que foi solicitada pelo próprio quediva do Egito. No entanto, Verdi estava envolvido em outros projetos no momento e não estava interessado. Também não se interessou no próximo mês de março, quando du Locle trouxe novamente à tona aquele mesmo tema.
Nessa época, já havia se passado um ano desde a produção de Rigoletto na cidade do Cairo e Ismail estava ficando ansioso. Era hora de começar a trabalhar na nova ópera nacional. Ele pediu que du Locle e Mariette parassem de esperar. Se Verdi não queria ser incomodado, talvez alguma outra pessoa poderia compor a ópera. Entre os considerados estavam Charles Gounod e Richard Wagner.
Mariette deu essa informação rapidamente a du Locle que, preocupando-se com o fato de Verdi perder essa oportunidade para outro compositor, pediu a Mariette uma cópia do roteiro de Aida. Em resposta, Mariette imprimiu quatro cópias de uma proposta de 23 páginas e as enviou a du Locle, que as encaminhou a Verdi, em 14 de maio.
A ideia de uma ópera que se passava no antigo Egito era uma coisa. Outra coisa era ter um roteiro real, cheio de personagens fortes e muito drama. Dessa vez, Verdi ficou impressionado.
“Está muito bem feito”, ele escreveu a du Locle, em 26 de maio. “A peça oferece uma mise-en-scène impressionante e existem duas ou três situações que, mesmo que não sejam muito novas, são certamente muito lindas. Mas quem a escreveu? Vejo que há um toque de um especialista na peça, de alguém acostumado a escrever e que conhece muito bem o teatro”.
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Para traduzir o libreto em verso italiano, Verdi recorreu a Antonio Ghislanzoni. |
Du Locle respondeu rapidamente que o roteiro era trabalho de Mariette e do quediva (na verdade, algumas sequências podem ter sido criadas por du Locle ou, até mesmo, por Temistocle Solera, um libretista italiano contratado pelo quediva na época). Mas Verdi estava atraído pelo drama inerente ao roteiro, e não por seus escritores. Sendo assim, em 2 de junho, o compositor finalmente escreveu a du Locle para dizer que a história egípcia de Mariette seria realmente um projeto de seu interesse, o que deixava implícito que as suas condições foram aceitas: Verdi faria o libreto à sua custa e, já que tinha medo de viajar por mar, enviaria alguém ao Cairo para conduzir e dirigir a ópera em seu lugar, novamente à sua custa. Quando a partitura e o libreto fossem concluídos, ele enviaria uma cópia ao quediva, mas somente para uso no Egito, já que o compositor queria reter os direitos de apresentação em todas as outras partes do mundo. Finalmente, Verdi solicitou o pagamento de 150.000 francos e, depois, determinou que ele teria o direito de apresentar a peça Aida nos teatros de ópera fora do Egito, após a estreia na cidade do Cairo.
Dez dias depois, du Locle recebeu um telegrama de Mariette. O quediva aceitara os termos de Verdi, com uma condição: A ópera devia ser concluída até janeiro de 1871 (somente seis meses após o contrato), para que estivesse pronta para a estreia no teatro de ópera Khedival em fevereiro de 1871.
Em 19 de junho, du Locle chegou à casa de Verdi em Sant’Agata, Itália, onde, nos dias seguintes, os dois homens trabalharam juntos para criar um roteiro detalhado em francês, idioma nativo de du Locle. No entanto, já que a Aida seria apresentada por uma empresa Italiana no local conhecido pela maioria dos egípcios como o “teatro de ópera italiano”, era necessário fazer um libreto nesse idioma. Assim, em 25 de junho, Verdi escreveu para seu agente e produtor musical, Giulio Ricordi, perguntando a ele se o famoso poeta e libretista italiano Antonio Ghislanzoni estaria preparado para traduzir o roteiro francês em verso italiano. Logo em seguida, Ghislanzoni, Ricordi e Verdi se encontraram na casa deste último para estabelecer o escopo do trabalho e, em meados de julho, Ghislanzoni enviou a Verdi o libreto do primeiro ato de Aida.
Nessa época, Verdi tinha 56 anos, era um mestre da ópera e um homem acostumado a fazer as coisas de seu modo. Ghislanzoni era um poeta, capaz de criar versos líricos notavelmente. Como um todo, os diferentes talentos desses homens permitiram que eles completassem um ao outro. No entanto, Verdi tinha ideias definidas sobre como conduzir a ação da peça e, quando sentiu que a poesia interferia no momento dramático, dizia isso rapidamente a Ghislanzoni. Ele também conseguia mudar suas próprias ideias – o que significava necessariamente mudanças nos versos de Ghislanzoni.
Na maioria das vezes, Ghislanzoni fez as alterações solicitadas por Verdi. Ele compreendeu os métodos de trabalho e respeitava a opinião do compositor. Mas quando Verdi quis alterar as palavras de Radamès para Aida: “Não, você não morrerá... É muito linda”, com base no fato de que Aida, com sua voz soprano, poderia não ser linda, Ghislanzoni objetou com tanta veemência que, ao menos uma vez, as palavras do poeta permaneceram na peça.
Ao mesmo tempo, Verdi bombardeava du Locle com um fluxo constante de perguntas que deveriam ser respondidas por Mariette: Os egípcios acreditam em imortalidade? Havia sacerdotisas de Isis ou de outra divindade? Descreva os rituais de dança e as músicas que os acompanhavam...
Como especialista reconhecido em maneiras e costumes do antigo Egito, Mariette se encantava em responder a essas perguntas, mas de Paris, onde tinha sido enviado pelo quediva para garantir que os trajes, joias, acessórios e montagens – todos desenvolvidos por designers da Ópera de Paris – fossem o mais autênticos e espetaculares possível.
Mariette explicou a du Locle que: “O que o governador quer [isto é, o quediva] é uma ópera puramente antiga e egípcia. Os cenários se basearão em registros históricos; os trajes serão desenvolvidos conforme as imagens em relevo do Alto Egito. Não serão poupados esforços a esse respeito e a mise-en-scène será tão esplêndida quanto se possa imaginar. Você sabe que o quediva faz todas as coisas com grande estilo”.
Parecia que Mariette queria seguir as instruções do quediva à risca. As pirâmides de Gizé foram retratadas em um ato; o Templo de Karnak em outro. O arqueologista também fez esboços detalhados dos trajes, que tiveram acabamento em aquarela brilhante. Nas mãos dos grandes designers de Paris, havia todos os motivos para esperar que os designs da cidade do Cairo superassem até mesmo as próprias glórias do antigo Egito.
epois, quase sem aviso, tudo mudou. Em 9 de julho de 1870, o Imperador Napoleãoiii declarou guerra à Prússia. A maioria dos parisienses pensava que os franceses venceriam os alemães em uma semana ou duas. No entanto, em 1° de setembro, os prússios derrotaram os franceses em Sedan, capturaram todo o exército francês e levaram o imperador como prisioneiro. Até meados de setembro, os prússios chegaram a Versalhes e, em 20 de setembro, cercaram e bloquearam a capital. Tinha começado o bloqueio de Paris.
Durante um curto período, parecia que, além de cortar a comida e outros suprimentos, os prússios também cortaram todas as comunicações; porém, eles não contavam com a quantidade de recursos que tinham os parisienses. Em 23 de setembro, o balão de ar quente Neptune saiu de Paris, sobre as cabeças dos prússios boquiabertos, e aterrissou com segurança em Evreux, transportando 125 quilogramas de mensagens. Com base nesse sucesso, o Ministro de Correspondência de Paris estabeleceu um serviço de balões regulares e, durante algum tempo, as mensagens de du Locle a Verdi chegaram razoavelmente em segurança. No entanto, à medida que o bloqueio continuou, foram enviadas menos cartas e com intervalos maiores.
Por outro lado, as cartas de Ricordi, agente de Verdi, estavam chegando em Sant’Agata em uma velocidade cada vez maior.
Logo após Verdi ter concordado com o contrato de Cairo, Ricordi tinha agendado uma apresentação de Aidaem Milão. A data proposta para produção, fevereiro de 1871, não infringia de nenhum modo o contrato do quediva, já que a produção de Milão ocorreria após a data agendada para estreia na cidade do Cairo. Mas já era novembro e, como Ricordi enfatizava em todas as suas cartas, a gerência do La Scala estava ficando ansiosa. Ricordi queria saber se seria possível preparar os cartazes, se a gerência podia solicitar assinaturas e se os músicos já podiam ser contratados.
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BIBLIOTHEQUE NATIONALE (BIBLIOTECA NACIONAL DA FRANÇA) / ROGER-VIOLLET / BIBLIOTECA BRIDGMAN ART |
“Tão esplêndida quanto se possa imaginar”, instruiu Mariette, cuja montagem do Templo de Karnak no Atoii da estreia foi adaptada e reinterpretada nos anos seguintes por outras empresas para apresentações como essa. |
Como Verdi e Ricordi sabiam, as respostas a essas perguntas giravam em torno do fato de as montagens e trajes conseguirem ou não sair da Paris bloqueada. Em caso negativo, a estreia da cidade do Cairo certamente teria que ser adiada e, consequentemente, a apresentação em Milão também.
No final de novembro, chegou a mensagem por balão tão esperada por du Locle.
“Mariette está confinado em Paris, assim como eu”, escreveu du Locle. “Todos os trabalhos sobre a peça Aida foram suspensos porque não tenho pessoal suficiente. Nesse momento, a única coisa que podemos fazer em Paris é aguardar”.
A mensagem de du Locle mal tinha acabado de chegar quando Verdi recebeu uma carta do gerente da Ópera de Cairo, Paul Draneht. Ele não estava nada feliz. Assim como Verdi, tinha acabado de saber que os trajes e montagens não chegariam a Cairo a tempo para a estreia agendada e que Verdi, aparentemente, planejava apresentar a Aida no teatro La Scala no próximo mês de fevereiro. Talvez Verdi tivesse planejado estrear a peça Aida em Milão, em vez de na cidade do Cairo?
Embora Draneht não desejasse acionar os termos do contrato, ele deixou bem clara a sua posição. Se a Aida estreasse em qualquer outro lugar que não a cidade do Cairo, “isso seria uma causa de verdadeira tristeza” para o quediva.
Verdi garantiu rapidamente a Draneht que o La Scala já tinha suspendido as preparações para a nova ópera, mas acrescentou que o teatro de ópera de Milão ainda pretendia seguir com os planos no ano seguinte. Felizmente para todos os envolvidos, o bloqueio de Paris foi eliminado em janeiro de 1871. Em um pedido de urgência, os trajes e montagens foram enviados à cidade do Cairo e, em setembro de 1871, Verdi se encontrou com Draneht em Genebra para dar ao empresário da Ópera de Cairo a partitura completa da peça.
Após meses de trabalho e preocupação, parecia que as preparações finais para a desejada ópera nacional de Ismail estavam em suas etapas finais.
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Esta edição da partitura foi publicada em 1938. |
Restava apenas um problema. Após o adiamento indefinido da estreia na cidade do Cairo, muitas pessoas do elenco original aceitaram outros trabalhos, deixando a Draneht e Verdi a tarefa de substituí-los em curto prazo. Felizmente, eles chegaram a um acordo sobre a maioria dos novos principais artistas e Verdi estava realmente encantado com a dotada Antonietta Pozzoni, que cantaria em sua função como Aida. A função de Amneris foi uma questão diferente. Mas foi somente depois que o jovem maestro Franco Faccio garantiu a Verdi que a pouco conhecida Eleonora Grossi faria jus ao papel que Verdi concordou com sua seleção, para alívio de Draneht.
Mariette também teve seus problemas. “Considero absolutamente necessária a não existência de barbas ou bigodes [nos artistas]”, ele escreveu para Draneht, explicando que os egípcios não tinham barba como uma questão religiosa e como um costume. “Você consegue imaginar o faraó com um bigode pontudo e um cavanhaque?” ele perguntou, preocupado com o fato de a vaidade dos artistas diminuir a autenticidade da produção.
Draneht logo garantiu a Mariette que os artistas se pareceriam completamente com os egípcios, mas até mesmo ele ficou preocupado quando, na noite antes da abertura, parecia haver um problema com a máquina que movimentava os enormes cenários de Aida aos seus lugares.
No entanto, na noite de abertura, a máquina estava pronta.
Verdi, que não estava disposto a superar o medo do mar, não compareceu ao evento. mas o quediva estava presente. E, embora o quediva tenha acompanhado toda a ópera no ensaio com os trajes, ele estava tão empolgado quanto qualquer outra pessoa quando as cortinas subiram para revelar um antigo Egito mais lindo do que ele sonhara.
Havia o belo capitão Radamès, equipado com um escudo de prata sólida; também havia a vingativa Amneris, coroada com uma tiara de ouro e pedras preciosas. As pirâmides de Gizé e o Templo de Karnak perderam a sua antiguidade para servir como o pano de fundo perfeito para o drama que se desenrolava sobre dois amantes condenados pela inveja de uma princesa vingativa. Acima de tudo, havia a música – a declaração de amor de Radamès pela princesa etíope na lírica “Celeste Aida”; a ária comovente de Aida: “Numi, pietà del mio soffrir”, implorando que os deuses aliviem o seu sofrimento e, finalmente, o dueto “O terra, addio”, cantado enquanto os amantes morriam nos braços um do outro.
O público, que tinha comprado todos os ingressos há semanas, sentou-se maravilhado enquanto a música eminente de Verdi os carregava pela história trágica de Aida, uma cena após a outra. Até que, mais tarde naquela mesma noite, as cortinas desceram, ocultando Aida e Radamès em seu abraço de morte, enquanto Amneris condenava seu próprio destino no templo acima.
Por um momento, houve silêncio. Depois, de repente, começaram os aplausos. Um dos presentes levantou-se e, com gritos de “bravo, bravo”, voltou seu olhar ao camarote do quediva. “Viva o quediva!”, eles gritaram repetidas vezes.
Lentamente, Ismail levantou-se e acenou ao público, mas sem dizer nada. Não havia necessidade. Sua cabeça inclinada em saudação e sua face radiante refletiam claramente o imenso alívio que ele estava sentindo. A ópera do antigo Egito que ele tinha se esforçado tanto para conseguir tinha sido um sucesso fenomenal.
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“Os cenários serão baseados em registros históricos; os trajes serão desenvolvidos conforme as imagens em relevo do Alto Egito. Não serão poupados esforços a esse respeito”, escreveu Mariette, que produziu esboços detalhados dos trajes de todos os principais personagens da estreia. |
A peça foi um sucesso que, logo, seria repetido. Em 8 de fevereiro de 1872, Aida foi apresentada pela primeira vez no La Scala. Verdi estava lá para desfrutar dos aplausos praticamente intermináveis e das 32 aparições finais e individuais de cada artista. Em 20 de abril, Verdi apresentou a Aida em Parma e, depois, em Nápoles. Até 1878, Aida tinha sido apresentada em mais de 130 teatros de ópera de todo o mundo, de Buenos Aires a Viena. Ela continua sendo um padrão no repertório da maioria dos teatros de ópera de hoje em dia.
Como um crítico observou, “Aida é a única grande ópera a partir da qual é impossível remover uma única nota”.
Verdi via a peça de outra forma. “O tempo”, ele disse, “dará à Aida o lugar que ela merece”.
E, realmente, isso aconteceu.
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Jane Waldron Grutz (waldrongrutz@gmail.com) foi redatora contratada da Saudi Aramco e, atualmente, divide seu tempo entre as cidades de Houston e Londres, quando não está participando de escavações arqueológicas no Oriente Médio. Independentemente de onde esteja, ela sempre encontra tempo para ouvir a música maravilhosa de Verdi ou, quando possível, assistir à apresentação de uma suas obras preferidas – a ópera egípcia, Aida. |