Volume 64, NĂºmero 5Setembro/Outubro de 2013

In This Issue

Ela é a maior ilha da Índia, mas durante a maior parte do ano fica conectada ao continente em suas partes norte e leste por meio de grandes salares chamados ranns — um termo derivado da palavra do sânscrito que significa “resíduo”. Durante a estação das monções, que, geralmente, dura de julho a outubro, muitas vezes, os ranns são inundados, atingindo altas profundidades em algumas partes.

Clique acima para assistir a um vídeo que explora a região de Kutch.

or um ano depois da independência da Índia, em 1947, Kutch, que hoje é um distrito do estado de Gujarate, manteve sua própria moeda, a kori; seu próprio soberano, o marajá; além de seu próprio fuso horário, meia hora mais cedo que o horário de Nova Déli, a capital da Índia. O seu nome é derivado da palavra local para tartaruga, katchhua, e lembra uma tartaruga flutuando de ponta-cabeça no Mar Árabe. É exatamente o mar que define melhor a história de Kutch; ele aproxima a ilha mais dos portos árabes e do Leste da África que das rotas terrestres que a conectam ao interior da Índia.

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Os videográficos de David Wells sobre os locais exibidos neste artigo dão um toque de som e espaço ao distrito de Kutch. Pesquise-os no mapa acima ou clique em um dos links a seguir. Visualizar o mapa maior.
LEGENDA
  1. Santuário Khur (Asno Selvagem)
  2. Bhadali – artesanatos
  3. Bhadali – vila
  4. Bhuj – Aina Mahal
  5. Bhuj – Prag Mahal
  6. Bhuj – tecelagem
  7. Bhuj – cidade
  8. Bhuj – muros da cidade antiga
  9. Impressão em bloco
  1. Fundação para promoção de artesanatos
  2. Artesanatos de beira de estrada
  3. Artesanatos de beira de estrada
  4. Fotógtrafo David Wells no local
  5. Dhaneti – bordado
  6. Ajrakhpur – Ismail Khatri
  1. Bhuj – Lago Hamirsar
  2. Kala Raksha
  3. Qual é a origem de “Kutch”?
  4. Forte Lakhpat
  5. Bhuj – Maharao Pragmalji
  6. Mandvi – construtor naval Ibrahim Mistry
  1. Mandvi – Palácio Vijay Vilas
  2. Mandvi – construção de barco de madeira
  3. Mandvi – porto e cidade
  4. Fazendo sal
  5. Fazendo sal marinho
  6. Artesanato Shrujan

Embora Kutch tenha sido cada vez mais integrado a Gujarate nos últimos 60 anos, ainda parece ser um local distante. Talvez isso se deva à sua geologia única que o torna uma zona ativa de terremotos na contínua movimentação em câmera lenta das placas tectônicas indianas e eurasianas. De outro ângulo, ele pode ser visto como um paralelo cultural à teria da biodiversidade da ilha, que oferece caminhos evolutivos exclusivos para a flora e a fauna das áreas isoladas. Em Kutch, esse diferencial é expressado mais claramente nos estilos dos vestidos com diferentes bordados e pinturas de seus grupos étnicos – os Rabaris, Ahirs, Jats e outros –, cada um tão único quanto a plumagem chamativa dos diferentes pássaros desse paraíso.

L. F. Rushbrook Williams, autor de The Black Hills: Kutch in History and Legend [As montanhas negras: Kutch na história e na lenda], chamou Kutch de um “país semi-ilha estranho” que representa “um epítome da história da Índia – invasões constantes, fusão de culturas – com uma riqueza notável de histórias registradas na memória, mas com poucos registros escritos”. A edição de 1880 do Gazetteer of the Bombay Presidency, um manual da Índia Britânica, observou que o “caráter nacional” de Kutch era mais distinto que o de qualquer outra dependência do governo.

Essa separação regional é personificada na vida de dois homens lendários do século XVIII, que ainda são bastante venerados e que, um dia, foram considerados protetores dos viajantes que se aventuravam em Kutch e fora dele. Dizem que Mekaran Dada, junto com seu cachorro, Motia, e seu macaco, Lalia, resgataram pessoas perdidas no Grande Rann e que monges suíços e seus cachorros resgataram viajantes presos na neve na Great St. Bernard Pass. Mais ao sul e na direção da costa, dizem que Murad Shah al-Bokhari, que veio a Kutch da Ásia Central delimitada por terra e que está enterrado no porto de Mundra, protegia os marinheiros que navegavam pelo Mar Árabe.

Para chegar em Kutch a partir do leste de Gujarate, é necessário cruzar uma ponte colocada sobre o Pequeno Rann, logo à entrada do Golfo de Kutch, lar dos khur, ou burros indianos selvagens (Equus hemionus khur). Os primos dos khurs incluem subespécies relacionadas da Mongólia, Turcomenistão, Pérsia e Tibet – algumas dessas estão publicadas na lista de espécies ameaçadas da União Internacional para a Conservação da Natureza. Cerca de 4.000 khurs vivem no Wild Ass Sanctuary (Santuário de Khurs Selvagens) do Pequeno Rann, com área de 5.000 quilômetros quadrados, ou próximos a ele.

O imperador mogol Jahangir (1569 - 1627) escreveu em suas memórias sobre a caça e consumo dos burros que “a maioria das pessoas come com muito gosto, mas que é algo repugnante à minha natureza”. Uma mulher britânica do século XIX disse que ela também poderia laçar um burro, mas nunca domesticar um deles completamente e, por causa disso, duvidava dos registros de Heródoto em que dizia que os indianos tinham treinado burros para puxar carruagens. Hoje, os animais são tão inofensivos que caçá-los seria algo completamente antidesportivo.

requentemente, cerca de 40.000 trabalhadores dos salares vêm ao Pequeno Rann nos meses de outono após a secagem das enchentes da estação das monções para bombear a água subterrânea aos tanques de evaporação cavados à mão. O sol forte seca a água salina, o que resulta em cristais de sal – um produto básico que ficou famoso em todo o mundo devido à marcha de Mahatma Gandhi ao mar, a partir de Ahmedabad, capital de Gujarate, em 1930, para protestar contra os impostos monopolistas sobre o sal cobrados pela Inglaterra. Já que o Pequeno Rann produz quase metade do sal de toda a Índia, é certo dizer que uma parte de Kutch e de seus distritos vizinhos se encontra na mesa de todos os indianos.

Os pontilhados nas regiões do Pequeno Rann e do Grande Rann são os bets, ilhas não habitadas que surgem acima dos salares. Eles estão um pouco fora do que poderia ser chamado de “continente de Kutch”. No seu centro está a cidade de Bhuj, escolhida pela família governante,em 1549, como o centro de poder. No centro da cidade de Bhuj, que é cercado por paredes, está o distrito real, que foi inserido à lista de locais ameaçados do World Monuments Fund após um terremoto com escala 7,9 que devastou a área em 2001.

Este é o Aina Mahal, ou Palácio dos Espelhos, do século XVIII; seu cômodo central é incrustado do chão ao teto com vidro reflexivo, estuque dourado e azulejos de Delft. Os azulejos são um tributo à Holanda feito por Ramsingh Malam, um marinheiro local que foi salvo de um naufrágio na costa africana por um navio holandês que seguia em direção ao seu país de origem. Na Holanda, ele aprendeu artes decorativas europeias antes de retornar a Kutch para trabalhar como o arquiteto pessoal do marajá.

Um dos destaques do cômodo é uma porta incrustada de marfim que, há alguns anos, foi pedida como empréstimo pelo Victoria and Albert Museum para uma exposição em Londres. Em exibição ao lado dela, há uma carta do secretário do marajá recusando a solicitação, mencionando a importância do reinado jamais interrompido de sua família. “Como vocês sabem”, explica a carta, “nossa dinastia existe desde a fundação da Casa de Tudor”; essa carta serve como um lembrete brincalhão de que a linha real de Kutch se estende em mais de 400 anos, um período maior que o reinado de Henriqueviii, e que ainda está em andamento.

O marajá Pragmaljiiii, com 77 anos e magro como uma vareta, é o 19º dessa linha real. Seu título é estritamente honorífico, já que a soberania da família foi rendida quando Kutch passou a fazer parte da União Indiana em 1948.

Durante os tumultos religiosos ocorridos em 2002 que dividiram Gujarate, ele se certificou de que o distrito de Kutch se mantivesse calmo. “Não sou muito de usar o telefone”, disse, falando no jardim de seu palácio, “mas em apenas um dia fiz mais ligações do que na minha vida toda, entrando em contato com líderes religiosos de todo o distrito para que amenizassem os problemas. Disse a eles que, em primeiro lugar, todos nós somos de Kutch.

“Sindh [no Paquistão] é um local mais perto para chegarmos por mar do que chegar em Ahmedabad [capital de Gujarate] por terra”, ele continua. “A Arábia sempre foi nosso melhor parceiro comercial, já que nossos marinheiros conseguiam estar sempre por lá”. No entanto, o marajá prefere dois modos de viagem por terra: uma raça local de cavalos – cuja linha foi perdida, infelizmente-, que era similar ao famoso cruzamento “Kattywar” entre pôneis árabes e indianos e, ainda mais surpreendente, carros americanos importados. As fotos do marajá a cavalo e atrás do volante de seus amados Corvettes e Studebakers estão penduradas nas paredes do palácio.

tualmente, é uma região que está no caminho para o turismo têxtil indiano e muitos dos créditos dessa façanha se devem à Shrujan Foundation, que tem seu nome derivado da palavra do sânscrito que significa “criatividade”. Chanda Shroff fundou a Shrujan em 1968, período caracterizado por uma longa seca na região durante a qual as mulheres de uma aldeia que a fundadora conhecia eram forçadas a vender suas roupas finamente bordadas para poderem se alimentar.

“Essas mulheres estavam desesperadas”, diz Shroff, vencedora do prêmio de patrimônio cultural Rolex Award for Enterprise, em 2006. “Elas já tinham vendido suas joias e, até mesmo, seus animais. Seus estimados bordados eram os últimos a serem vendidos”.

Ela ajudou essas mulheres a vender suas peças familiares por bons preços em Mumbai, mas decidiu que seria melhor auxiliá-las a produzir diretamente para o mercado. Atualmente trabalhando em 120 aldeias, a Shrujan promove os artigos têxteis como uma fonte de renda fixa para mulheres, organizando equipes de produção para uma “biblioteca de estampas” com 1.000 painéis bordados. Cada painel representa uma técnica diferente, um desenho étnico ou um material e os painéis são utilizados como ferramentas de ensino quando o ônibus da fundação visita as aldeias nas quais esse fino artesanato poderia ter sido esquecido.

ma tradição têxtil local estritamente para os homens é o ajrakh, um tecido estampado em blocos e pintado em áreas delimitadas usado para xales e turbantes. Essa palavra vem do termo árabe para azul, azraq, devido aos seus tons de índigo. O Dr. Ismail Mohmed Khatri, que tem doutorado honorário em artes pela universidade De Montfort, de Londres, vem de 11 gerações que datam até o ano 1634, quando sua família veio de Sindh a convite do terceiro marajá, que queria promover o artesanato local. Ele deu à família o direito de escolher terras que tinham a água subterrânea de melhor qualidade, já que a tintura de tecidos era uma iniciativa que exigia água significativamente e que tinha baixa tolerância a impurezas.

Após o terremoto de 2001, a quantidade de ferro dissolvido nas águas dos poços aumentou e a família se mudou para um local chamado Ajrakhpur. Uma pessoa que visitar o terreno da família pode ver algumas das 20 etapas estranhas para a produção do tecido – desde a estampa nos dois lados com blocos de madeira e pré-lavagem do tecido em uma mistura de esterco de camelo, carbonato de sódio e óleo de rícino, até a mistura de pastas que deixam a tinta resistente a chicletes e farinha de milho e a combinação de tintas secundárias que vêm de várias fontes naturais: amarelo do açafrão-da-Índia, marrom do ruibarbo, laranja da pele de romã, vermelho de raiz de garança e preto de uma calda fervida feita de sucata de ferro, farinha de grão de bico e melaço de cana de açúcar.

Foram encontrados pequenos fragmentos de ajrakh feito em Kutch, com mais de 500 anos de idade, em Fustat, a primeira colônia islâmica da cidade do Cairo. A maior coleção que existe, com cerca de 1200 restos, encontra-se no Ashmolean Museum em Oxford, Inglaterra. Os curadores de lá acreditam que as costuras personalizadas e de correção nas peças indicam que o ajrakh era um tecido para roupas utilitárias, e não uma mercadoria de luxo, e que era algo desejável no Egito por causa da alta qualidade de suas tintas de cores firmes e da complexidade de seus desenhos.

Os fragmentos foram encontrados no início do século XX e oferecidos para venda pelos vendedores de antiguidades egípcias. Eles foram identificados como de origem indiana, comparando-se os seus desenhos às estampas similares dos locais do antigo Vale do Indo (Indus Valley), Harappa e Mohenjo-Daro, e da aldeia Dholavira de Kutch. Muitos desenhos parecem ter sido feitos especificamente para comércio no Oriente Médio, apresentando uma estampa circular chamada de riyal pelos tintureiros de Kutch, com um nome derivado da moeda árabe.

O terremoto que fez com que a família de Ismail Khatri se mudasse para Ajrakhpur devastou grandes áreas do distrito e matou cerca de vinte mil pessoas. A aldeia Bhadali, com uma população de 1200 hindus, muçulmanos e jainistas, foi bastante atingida: 85% de suas 325 casas foram arruinadas. No entanto, sob a direção de uma equipe arquitetural de Mumbai, os aldeões ajudaram a desenhar três tipos de casas modulares que poderiam ser construídos de modo econômico.

m um tour recente, os idosos da cidade, Umar Farouk – chefe de uma família de tintura têxtil – e Lavji Lakamshah, um jainista, foram acompanhados pela presidente do conselho, Jyotiben Gouswami, uma sacerdotisa feminina do templo hindu local. Um dos visitantes estava curioso para saber por que a sua aldeia foi nomeada para o prêmio Aga Khan de Arquitetura e recebeu menções honrosas da International Union of Architects (União Internacional de Arquitetos) e da Social Economic Environmental Design Network (Rede de Design Social, Econômico e Ambiental), que patrocinam projetos de todo o mundo.

“Não tivemos nenhuma briga em relação ao acesso aos fundos ou materiais”, diz Gouswami. “Nós sempre trabalhamos juntos, vizinhos ajudando vizinhos, para que a nossa aldeia fosse reconstruída antes de todas as outras aldeias vizinhas”. O fato de que o templo e a mesquita de Bhadali foram reformados com a ajuda de outra comunidade religiosa enfatiza esse espírito de cooperação”.

Uma cidade de Kutch que foi bastante afetada por um terremoto anterior, em 1819, foi Lakhpat, um local de fortes na costa de Kori Creek e de frente para a fronteira com o Paquistão. O tremor foi chamado de Allah Bund, ou “Represa de Deus”, depois que uma parede de areia e argila com 100 quilômetros de comprimento e seis metros de altura caiu ao longo do acidente geológico. Em Ahmedabad, a quase 500 quilômetros de distância, o terremoto derrubou os minaretes da principal mesquita e deu aos minaretes trepidantes da mesquita Sidi Bashir, localizada atrás da estação ferroviária, um tremor mais forte que qualquer tremor causado pelo apito de trem mais alto que havia na época.

Na época, Lakhpat era um importante porto de coleta de impostos para o comércio marítimo de Kutch. No entanto, o terremoto de 1819 bloqueou o porto e fez com que a população diminuísse, até chegar aos poucos e pobres pescadores residentes de hoje. Um deles, Rajjak Nur Muhammad, de 22 anos, está em casa cuidando de uma ferida no pé causada por uma arraia. Um grupo de peregrinos de Sikh também está aqui, visitando a cidade para honrar o fundador de sua religião, Guru Nanak (1469 - 1539), que dizem ter descansado em Lakhpat em seu caminho a Meca.

Os soldados da Border Security Force da Índia escalam diariamente as torres próximas ao riacho do forte de Lakhpat para examinar o horizonte ao norte e, todas as semanas, fazem uma difícil viagem de barco e a pé pelos caminhos planos da costa para assinar o registro do posto da fronteira do Paquistão, a 35 quilômetros de distância. No entanto, no portão principal do outro lado do forte, uma antiga porta de madeira com relevos pontudos de ferro encontra-se empenada: aparentemente, o exército indiano não tem medo de o país ser invadido por terra.

Uma lenda de Kutch diz que o mundo é criado sobre a cabeça de uma cobra, cuja cauda não é presa com firmeza e, por isso, suas contorções constantes produzem tremores na terra. O professor M. G. Thakkar, o principal especialista em sismologia de Kutch, obviamente não adere a essa teoria; no entanto, recentemente, um formato indistinto em uma foto de satélite da área chamou a sua atenção. Uma viagem de campo à sua localização em uma região lodosa revelou o contorno de um forte de cinco lados esquecido há muito tempo, que tinha sido quase engolido pelo terremoto Allah Bund, como se a cobra mítica tivesse regurgitado sua refeição.

Thakkar também ficou intrigado com outra lenda: a localização exata do Saraswati, um rio semimítico que nascia no Himalaia, de acordo com as referências transmitidas nos textos da antiga Índia. Dizem que o Saraswati seguiu o leito do rio Ghaggar em seu curso superior, mas, nas palavras de Mahabharata, depois ele “desapareceu e reapareceu” várias vezes – como os rios de fluxos de monções tendem a fazer – antes de “pular no mar” em algum lugar do Grande Rann. Thakkar gostaria de encontrar evidências da origem da alta montanha do rio, como uma linha contínua de aluvião rico em pó de mica no estrato subterrâneo.

bem provável que Alexandre, o Grande, tenha estado perto de Lakhpat, em 325 aec, quando seu cronista Arrian disse que ele desceu da parte mais ao leste do Vale do Indo procurando um acesso ao mar, a fim de mandar sua frota de volta para casa sob o comando do almirante Nearchus. Arrian escreveu sobre essa parte do Indo que formava um lago bem antes de chegar ao mar, “espalhando-se por uma terra plana”, e que se parece muito com o Grande Rann quando ele se enche.

Strabo, o geógrafo, mencionou Onesicritus, um dos timoneiros de Alexandre, que dizia que a costa desse lugar “tinha brejos abundantes, principalmente na foz do rio, devido ao lodo, às marés e à necessidade de brisas da terra”. O escritor britânico Michael Wood visitou Lakhpat há 10 anos para fazer pesquisas para seu livro In the Footsteps of Alexander the Great (Seguindo os passos de Alexandre, o Grande), escolhendo ficar em terra, pois esse é o primeiro lugar do fluxo do rio que é sustentado por pedras, e não lodo, proporcionando terra seca.

Onesicritus precisaria se encontrar com Baba Malam, um navegador e comandante de navio de 83 anos de idade que viajou muito mais no Mar Árabe que qualquer grego do exército de Alexandre, e que, agora, é um pensionista da cidade portuária de Mandvi, que fica não muito longe ao leste na costa de Lakhpat. Baba é um título honorífico, enquanto malam deriva da palavra árabe mu‘allim, que significa “professor” ou “alguém especializado em comércio” e que, aqui, é conhecido como “mestre do mar”.

Os 60 anos de experiência de Baba Malam – que navegou ao sul da Índia, às Maldivas e ao Sri Lanka e aos portos da África Oriental e da Península Árabe – foram cheios de perigos. Seu pai se afogou em um tufão em Mangalore, em 1964. Uma tempestade ocorrida em 20 de maio de 1963 atingiu Salalah, Omã, no Oceano Índico, enquanto ele estava em terra, afundando seu navio e afogando 12 de seus tripulantes. As datas exatas dessas tempestades, ao menos na mente dos marinheiros de Kutch, são tão lembradas quanto as datas dos terremotos são conhecidas pelos aldeões de Kutch.

Hoje, com seus mapas portuários cuidadosamente dobrados que levam a Karachi, Colombo e Goa, junto com um sextante da Kelvin and Wilfrid White Co. muito bem lubrificado e uma edição bastante folheada das Norie’s Nautical Tables (Tabelas náuticas de Norie), Baba Malam ainda está pronto para navegar quase que imediatamente.

s palavras do historiador de Mandvi, Manubhai Pandhi: “Nossa cultura foi molhada de mar”, parecem mais adequadas quando paramos no riacho cheio de navios da cidade enquanto a maré sobe. A britânica Marianna Postans chegou em Mandvi em 1830. Em seu livro Cutch: Or, Random Sketches (Kutch: ou esboços aleatórios), com base em vários anos de residência, escreveu que os marinheiros locais eram a “raça mais destemida e empreendedora” e que os “malams eram especialmente inteligentes e bem informados”.

Por todos os cantos, vemos cais com novos navios em construção e navios antigos sendo reformados, cascos esqueletais esperando para serem divididos em peças e, outros, simplesmente abandonados à margem da água. Os sons de martelos e furadeiras preenchem o ar, assim como as fragrâncias inebriantes de sebo de carne de carneiro e óleos de amendoim, que são utilizados como conservantes, e de madeira dura recém-cortada para navios – madeira de teca de Mianmar para os deques, madeira de árvore sal (Shorea robusta) da Malásia para as placas abaixo da linha de água e madeira de acácias de Kutch curvadas naturalmente para os reforços curvos.

O navio icônico do Mar Árabe, o navio de alto mar com viga na popa, foi substituído por navios mais rápidos com cascos em formato de ‘V’, construídos com o mesmo estilo dos barcos encontrados em Tuticorin, o porto da região sul da Índia. No entanto, até mesmo a sua construção conta com as habilidades dos artesãos tradicionais de Gujarate, na forma de parafusos de ferro artesanais de Rajkot e velas de algodão tecidas em Porbandar, o local de nascimento litorâneo de Mahatma Gandhi.

Uma variedade maior de designs de casco pode ser vista na frota em miniatura do construtor de navios Shivji Budah Fofini, de 86 anos de idade. A placa de sua oficina o identifica como “Ex-artilheiro do porto de Mandvi”, mas ele conta histórias de desde quanto tinha oito anos, visitando portos de Beira, Zanzibar, Lamu e Mogadishu, na África Oriental, até os portos balúchi de Gwadar, Pasni e Ras Ormara, passando por Abu Dhabi, Bandar Abbas e Basra no Golfo Pérsico.

Os modelos de Fofini incluem os esquifes locais para pesca estilo machvo, os navios do Rio Indo chamados de hourros e os navios de carga de Kutch, os vahan. “Passávamos 42 dias fora, por volta da época do festival Hindu Holi, carregando principalmente fibra de coco de Malabar, e 32 dias aqui, na época do festival Diwali, carregando principalmente cravos de Zanzibar”, ele se lembra, sua mente agitada pelo pensamento de que o festival Diwali deste ano está prestes a começar.

As cargas dos séculos anteriores eram bem mais variadas. Como o historiador Rushbrook Williams escreveu em uma das listas de compras mais exóticas já escritas, “os navios de Mandvi traziam barras de ouro ou prata, grãos, madeira, pele de rinoceronte, cardamomo, pimenta, gengibre, sedas e remédios de Malabar, Mocha, Mascate e da costa africana, dando como retribuição algodão, tecido, açúcar, óleo, manteiga e alúmen de Kutch e de seu interior”. O artesanato local feito com peles de rinoceronte ainda pode ser visto na coleção de escudos reais do Museu de Kutch, alguns deles incrustados com pedras semipreciosas.

Com a recessão do negócio de transportadores de cargas, recentemente, o construtor de barcos Ibrahim Mistry adquiriu um novo tipo de cliente: proprietários excêntricos e amantes do mar donos de navios de luxo construídos conforme padrões exatos e talhados à mão. Há pouco tempo, seu cais concluiu um navio de dois mastros e com viga na popa com acessórios entalhados para um americano que queria navegar no Mar Árabe do modo mais historicamente correto possível neste século.

Em breve, Mistry realizará um grande projeto para um Gujarate expatriado – uma escuna de três mastros e com 33,5 metros, desenvolvido por um grande arquiteto marítimo americano que o escolheu pessoalmente como seu construtor. “Meu bisavô era um fazendeiro simples que veio trabalhar nos cais daqui, fazendo navios para o comércio de Zanzibar”, diz Mistry, abrindo as plantas geradas por computador para o novo navio. “O que ele diria se pudesse me ver agora, construindo escunas de passageiros e navios para estrangeiros ricos? Não houve muitas mudanças em todos esses anos. Afinal de contas, Kutch fica mesmo de frente para o mar”.

Louis Werner (wernerworks@msn.com) é um escritor e cineasta que mora em Nova York.

David H. Wells (www.davidhwells.com) é um fotógrafo de documentários freelancer afiliado à Aurora Photos. Ele é especializado em comunicações interculturais e na utilização de luzes e sombras em narrativas visuais. É professor frequente de workshops de fotografia e é responsável pela publicação do fórum de fotografia The Wells Point no websitewww.thewellspoint.com.


 

This article appeared on page 24 of the print edition of Saudi Aramco World.

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