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O trio de preciosos estigmas das flores de Crocus sativus recém-colhidas está pronto para ser removido. Essas flores são do açafrão, que é bastante utilizado nos pratos típicos marroquinos, como a tajine de legumes. |
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A aldeia de Taliouine encontra-se em um leito de rio seco cheio de rochas no árido Planalto Souktana da cordilheira marroquina conhecida como Pequeno Atlas, a cerca de uma hora e meia da majestosa cidade cercada de Taroudant. A paisagem é ondulante e sem árvores, acidentada com montanhas erodidas e ricas em minerais que ficam marcadas no cenário como impressões digitais. Em alguns pontos distantes, é possível ver minaretes brancos que saem de uma aldeia e, em certas cordilheiras, é possível avistar as ruínas desmoronadas de uma antiga cidadela. No outono, o sol se põe cedo por trás das montanhas e, nos 1.200 metros de altitude, a tarde fica fria rapidamente. À medida que a luz vai enfraquecendo, a colcha de retalhos esporádica dos campos das montanhas ao redor parece estar arada, mas sem nenhum cultivo.
esmo assim, durante algumas poucas semanas de todos os anos, a manhã revela uma cena totalmente diferente. Espalhadas nos campos marrons e capinados, surgem flores Crocus sativus de cor lilás que desabrocharam – misteriosa e milagrosamente – durante a noite. Dentro das pétalas delicadas de cada uma dessas flores solitárias estão três estigmas vermelhos e preciosos que parecem com um fio: o açafrão!
Nessas manhãs, nas primeiras horas do dia, os trabalhadores – em sua maioria mulheres – colhem as flores antes que as pétalas se abram e exponham os preciosos fios ao sol, o que os faz murchar e diminui sua cor e aroma.
A colheita breve e intensa de Taliouine começa no final de outubro, a cerca de 24 quilômetros ao leste da cidade e outros 1.500 metros subindo as montanhas. Depois, gradualmente, a colheita segue até as regiões específicas de Taliouine, onde os campos são os últimos a florescer. Como um todo, a colheita dura cerca de um mês, embora somente dure de 10 dias a duas semanas em alguns campos específicos (às vezes, nos anos em que o clima não é muito cooperativo, a colheita chega a ser mais curta).

Há dois mil anos, Plínio, o Velho, escreveu no livro Natural History (História Natural) que “não existe nada mais adulterado que o açafrão”. Isso ainda vale atualmente. O açafrão continua sendo o tempero mais adulterado ou falsificado do mercado, sendo misturado ou substituído por tudo, desde pétalas de cártamo e fibras de coco tingidas até o açafrão-da-Índia, caso se trate da versão em pó. O elemento mais importante da compra de açafrão é adquiri-lo de uma fonte confiável. Recomendo comprar o açafrão em fios, e não em pó, porque eles são mais difíceis de serem adulterados. Procure os fios com tom vermelho vibrante até roxo avermelhado, longos e que não estejam quebrados. |
Na última década, a produção de açafrão se espalhou para outras áreas de Marrocos: o Vale Ourika, localizado nas montanhas oeste do Alto Atlas, não muito longe de Marrakesh; Sefrou e Imouzzer Kandar, em uma região rica em maçãs do Médio Atlas ao sul de Fez; Chefchaouen nas Montanhas Rife; e Debdou, no noroeste. Esses locais diferentes utilizam bulbos de Taliouine e são responsáveis por apenas uma porcentagem da colheita total do país.
Taliouine (com uma população de 5.000 pessoas) continua sendo a capital e o núcleo industrial de açafrão do Marrocos. O rico solo vulcânico da região possui excelente drenagem, o que é importante para a saúde dos bulbos, e um clima ideal – seco, com verões bastante quentes e invernos frios – para dar ao açafrão sua potência, cor e aroma excepcionais. O açafrão é bastante integrado à cultura berbere local e os séculos de habilidades agrícolas aperfeiçoadas deram aos habitantes locais o conhecimento para produzir alguns dos fios mais precisos do mundo.
Existem quase três dúzias de cooperativas na área, a maior e mais antiga delas localizada na própria Taliouine, a Cooperative Souktana du Safran. Fundada em 1979, seus 154 membros têm cerca de 1098 hectares de terra (2.712 acres), 275 desses (680 acres) dedicados ao açafrão – os fazendeiros locais também cultivam amêndoas, azeitonas, legumes e ervas aromáticas. Durante a colheita de 2012, esses campos produziram 300 quilogramas de açafrão seco, de acordo com Zahra Tafraoui da cooperativa. Em geral, ela diz, Taliouine produziu 4.000 quilos ou 98% da produção total do Marrocos. Embora o ano não tenha sido considerado um ano bom – já que choveu durante a colheita – a quantidade ainda torna o país o quarto maior produtor de açafrão do mundo. O que talvez surpreenda é que, atualmente, Taliouine produz mais de três vezes a quantidade produzida na Espanha.
omo o açafrão chegou a esse local isolado? “Temos muitas lendas”, Tafraoui me conta sorridente, “mas poucos detalhes comprovados”. A primeira referência escrita sobre o açafrão em Taliouine tem cerca de 240 anos, quando a palavra zaafrane é mencionada três vezes em um contrato com data de 1776. No entanto, os historiadores locais dizem que, há cerca de 500 anos, o açafrão era armazenado em um agadir (celeiro) grande e no topo de uma montanha, a menos de 16 quilômetros de Taliouine, junto com cevada, óleo e açúcar.
Provavelmente, o açafrão chegou em Marrocos bem antes disso, pelo menos no século IX, trazido em etapas em sua longa jornada desde a Grécia ou Ásia Menor, de onde o açafrão se origina.
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tomas stankiewicz / look die bildagentur der fotografen gmbh / alamy |
A antiga cidadela de Taliouine, com população de 5.000 pessoas e centro industrial de açafrão do Marrocos, surge sobre um campo cultivado. |
As civilizações antigas, como os egípcios e sumérios, apreciavam o açafrão. Ele aparece no Antigo Testamento da Bíblia entre os aromas mais procurados. “Nardo e açafrão; canela e cinamomo; toda espécie de árvores de incenso; mirra e aloés, os melhores bálsamos”, diz um verso de amor do Cântico de Salmão. Supostamente, Cleópatra lavava o rosto com uma infusão de açafrão para aumentar sua beleza, impedir manchas e torná-la mais atraente. Os antigos gregos e romanos o utilizavam para tingir seu cabelo e pintar suas unhas, como perfume e para pulverizar teatros devido ao seu aroma fino e refrescante. No livro Natural History (História Natural), uma obra de 37 volumes publicada por volta do ano 77 ce, Plínio, o Velho, escreve que o açafrão mais valorizado veio da Cilícia, um reinado localizado na atual costa sudeste da Turquia, e fala sobre a mistura de açafrão com vinho suave. Em sua coleção de receitas De Re Coquinaria, o escritor de culinária romano Apicius também o acrescenta ao vinho e o utiliza em molhos para javali, miúdos e vários pratos de peixe.
Os comerciantes árabes apresentaram o açafrão à Espanha por volta de 900ce, de acordo com o livro Spice Notes (Observações sobre Temperos) de 500 páginas escrito por Ian Hemphill. Os cruzados que retornavam da Ásia Menor com bulbos talvez o tenham levado à Itália, França e Alemanha, no século XIII. Um século mais tarde, o açafrão era cultivado na região britânica de Essex. Durante o reinado de Henriqueviii (1509–1547), o açafrão trouxe grande riqueza a algumas partes da região, incluindo a cidade bastante conhecida pela produção de açafrão, Chypping Walden, cujo nome Henrique mudou para Saffron Walden em 1514. Durante o reinado de Henrique, as pessoas que adulterassem o tempero poderiam ser condenadas à morte (na Alemanha, eles eram queimados na fogueira). O cultivo na Inglaterra durou 400 anos e, depois, desapareceu.
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Embora, muitas vezes, a colheita de Taliouin dure cerca de um mês, a partir do final de outubro, a colheita de cada campo é realizada por um período de uma semana a dez dias. Dentro da flor, os três estigmas longos e de cor laranja avermelhado são o açafrão; os pistilos amarelos e mais curtos contêm pólen. Mas a planta foi domesticada por tanto tempo que não pode mais se reproduzir sem ajuda humana. A colheita e a seleção são realizadas com mais frequência por mulheres. |
Durante séculos, a Espanha foi a produtora líder mundial. Hoje, não é mais. Atualmente, o Irã produz 96% da colheita global. De acordo com o The Crocus Bank, um projeto apoiado pela Comissão Europeia, a Espanha tinha cerca de 6.000 hectares (15.000 acres) de campos de açafrão, em comparação aos 3.000 hectares do Irã na década de 1970. Em 2005, havia apenas 83 hectares de plantações de açafrão na Espanha, de acordo com as estatísticas da exibição do Ministério da Agricultura espanhol, mas esse número praticamente dobrou nos últimos anos.
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O açafrão apenas pode ser removido manualmente, segurando a base da flor e extraindo suavemente os estigmas. É preciso cerca de 140.000 a 150.000 flores para produzir um quilograma de açafrão. As pétalas e pistilos são descartados. |
O cultivo de açafrão no Irã, enquanto isso, subiu repentinamente para 50.000 hectares. O serviço de notícias iraniano, Fars, declarou, no início de 2013, que o país estava produzindo 250 toneladas de ouro vermelho anualmente, e que tinha estabelecido uma meta de 500 toneladas até 2021. O Irã exporta para mais de 40 países, incluindo quantidades em massa para a Espanha. É um negócio bem grande: de acordo com o Fars, o açafrão é responsável por quase 13,5% das exportações do Irã não relacionadas ao petróleo.
A região Kashmir da Índia é a responsável pelo restante da produção global de açafrão, sendo considerada a segunda maior produtora do mundo (em sua maioria, para consumo nacional), seguida pela região macedônica ocidental da Grécia e, depois, por Marrocos, Espanha, Itália e Turquia. Vários outros países também produzem pequenas quantidades.

“O uso de [açafrão] deve ser moderado e razoável, já que quando a dose é muito grande, ele produz uma sensação de cabeça pesada e sonolência”, avisa o livro de Culpeper escrito em 1649, Complete Herbal (Manual completo sobre ervas). “Algumas pessoas começaram a rir de modo desmedido e convulsivo e acabaram morrendo”. Embora eu acredite que isso é um exagero, a potência do açafrão precisa ser respeitada durante o processo de cozimento. Apenas um punhado ou dois - cerca de 10 a 20 fios – são necessários para a maioria dos pratos.
No entanto, antes de acrescentá-los, a fim de maximizar completamente o seu aroma e sua cor, os fios devem ser tostados a seco e triturados ou mergulhados em líquido morno.
Para tostá-los a seco, aqueça uma pequena panela não untada em calor médio-baixo, acrescente os fios de açafrão e deixe-os tostar de 2 a 3 minutos ou até que eles fiquem com uma cor esfumaçada e mais escura e comecem a soltar seu aroma. Coloque os fios tostados em um pedaço de papel dobrado e, com dedos secos, amasse-os de fora para dentro e despeje o açafrão no prato. Outra alternativa é transferir os fios tostados da panela para uma superfície de cimento, amassá-los até adquirirem a forma de pó e colocá-los no prato. Coloque uma pequena quantidade de água em volta do cimento para poder pegar todo o açafrão triturado.
Para mergulhá-los, coloque os fios em um copo com 120 ml de água quente e deixe-os em infusão de 20 a 30 minutos. Acrescente o líquido dourado brilhante e altamente aromático ao prato. Descarte os fios ou, se desejar, utilize-os também. |
Os preços são altos. Durante a colheita de 2012, a Cooperative Souktana du Safran estava vendendo pacotes de 1 grama de açafrão, a partir de seu escritório, por 32 dirhams marroquinos (cerca de 3 US$), o que significa que o custo é de cerca de US$ 112 por onça e US$ 1.800 por 0,453 kg (ou 1 libra). Ele é caro, mas seu preço representa apenas uma mera fração do que os consumidores pagam na Europa, Oriente Médio e América do Norte – ou até mesmo nos suqs de Marrakesh – por fios similares de alta qualidade e não adulterados.
ultivar o tempero mais caro do mundo é algo trabalhoso e demorado e que não pode ser automatizado. De acordo com as cooperativas locais, cerca de 90% da produção de Taliouine é realizada por fazendeiros de pequena escala.
O plantio é realizado em Taliouine do final de agosto a meados de setembro. Os trabalhadores cavam sulcos rasos, colocam os bulbos parecidos com os de cebola (corretamente, chamados de cormos) com distância de uma mão uns dos outros e, depois, cobrem os cormos com terra. Ao final de outubro, as flores roxas começam a aparecer no solo.
Após o amanhecer, as mulheres começam a se movimentar rapidamente pelos campos. Inclinadas na altura da cintura e envolvidas em echarpes de lã coloridas para proteger-se do frio da manhã, elas colhem as flores pela base e as colocam nas cestas de vime penduradas em seu outro braço.
Assim que as cestas de flores são carregadas de volta à casa da família e descarregadas em uma grande mesa, começa o trabalho realmente difícil e repetitivo.
Cada flor tem três estigmas de laranja vivo a roxo avermelhado – as partes femininas das flores – que são conectados à base da flor. Com cerca de 25 mm de comprimento, os estigmas são salientes na base da flor, enquanto os outros brilham levemente (também existem três estames curtos e amarelos que contêm pólen).
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Para aproveitar ao máximo o sabor do açafrão, após a extração das flores, os fios são colocados ao sol – ou, o que é menos comum no Marrocos, sobre um forno com calor baixo – para secarem cerca de 20% de seu conteúdo úmido original. |
Para remover os preciosos estigmas, os colhedores seguram a base da flor e, depois, extraem suavemente os fios das dobras das pétalas. Eles são colocados em um prato sobre a mesa enquanto as pétalas e estames são derrubados no chão, ficando empilhados ao redor das pernas das cadeiras, dando ao cômodo um aroma inebriante, floral e tropical.
Assim como a colheita, a remoção dos fios é, em sua maioria – mas não exclusivamente –, feita por mulheres. Elas gastam o restante de seu longo dia (e, muitas vezes, até muito tarde da noite) ao redor da mesa fazendo esse trabalho fácil, mas cansativo. Na família Ouhsoo na aldeia de Ighiri, onde eu pude acompanhar essa última colheita, elas passam horas conversando, comendo amêndoas tostadas locais e bebendo um chá de açafrão doce e cheiroso.
Para acentuar o sabor e o aroma do açafrão, os estigmas precisam ser secos e o seu conteúdo de umidade deve ser removido em até 80%. É preciso cerca de 140.000 a 150.000 flores para produzir 1 quilo de fios. No Marrocos, a secagem é realizada, tradicionalmente, espalhando o açafrão ao sol ou dentro de um cômodo. Já na Espanha, os produtores colocam os estigmas em uma peneira tambor sobre um fogão. A secagem ao ar livre tende a dar um sabor mais forte e picante aos fios, enquanto tostá-los no calor pode gerar um aroma mais penetrante. Recentemente, alguns fazendeiros marroquinos começaram a utilizar o método espanhol. “Mas apenas um fazendeiro de cada 20”, me conta Tafraoui. Até o momento, pelo que se sabe, quase todos eles ainda recorrem ao modo antigo.
azendo jus à sua história itinerante e às suas propriedades celebradas, o açafrão é o ingrediente definidor de vários pratos populares, e até mesmo icônicos, do mundo. O açafrão empresta seu tom dourado e seus aromas suaves e amadeirados ao bouillabaisse de Marselha, aos pãezinhos de açafrão para o Dia de Santa Lúcia na Suécia, aos bolos de açafrão que acompanham as empadas de frango de Cornwall e Pennsylvania Dutch. Ele é a cobertura de sorvetes e doces indianos. Na Arábia Saudita, o autêntico café árabe tem sabor de cardamomo e, muitas vezes, também de açafrão. No entanto, se o açafrão é o rei dos temperos, o arroz é o seu companheiro mais galante: o risotto alla milanese do norte da Itália (risoto com açafrão ao estilo de Milão), a paella espanhola, o biryani de Moghul e o polow iraniano, todos o têm como ingrediente.
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Perto de Taliouine, uma placa faz propaganda do açafrão. Cerca de 90% das fazendas de açafrão da região são pequenas e administradas por famílias. Boa parte do marketing da área é realizada por cerca de três dúzias de cooperativas locais. |
Em Marrocos, os cozinheiros acrescentam um punhado de açafrão às marinadas e ao kefta (bolinhos de carne) feitos com carne moída, misturam-no com outros temperos em tajines (ensopados) de carne de carneiro, vaca e frango, e adicionam o açafrão aos bolos, especialmente durante o Ramadã; a mistura de temperos característica do país, o ras el hanout, sempre o tem como ingrediente.
Não é surpresa que o açafrão é ainda mais presente nas cozinhas ao redor de Taliouine. Às vezes, o seu uso é tão simples e inesperado quanto a adição de um punhado de fios triturados a uma vasilha de saladas de frutas cortadas para sobremesa. Para mim, ele é supremo no exclusivo chá de açafrão local, uma bebida favorita de inverno que é preparada para os visitantes.
No entanto, historicamente, o açafrão era mais valorizado para outras finalidades que não culinárias. Em Taliouine, as mulheres o utilizavam como um agente de coloração, como o kohl, para delinear seus olhos. De acordo com as exibições no Maison du Safran, um centro de informações, laboratório e loja de Taliouine, o uso desse tipo de cosmético conferia beleza e também protegia contra o mal. Durante os casamentos, ele era utilizado para fazer desenhos nas faces das noivas. Os artesãos locais costumavam utilizá-lo para tingir lã para fazer tapetes e, em algumas cidades mais ao sul, ele era utilizado para manchar os tetos feitos de cedro.
Talvez o seu uso mais importante tenha sido na medicina, sendo utilizado para tratar doenças variadas, como problemas de menopausa, depressão e diarreia crônica e antídoto contra venenos. Em seu clássico livro Les plantes médicinales du Maroc (Plantas Medicinais do Marrocos), Abdelhaï Sijelmassi fala sobre a utilização do açafrão como estimulante, tônico e sedativo. Ele aguça o apetite, segundo o autor, e pode aliviar dores bucais quando triturado em pó, misturado com mel e massageado suavemente nas gengivas doloridas. Jamal Bellakhdar oferece recomendações similares no livro Plantes médicinales au Maghreb et soins de base (Pantas Medicinais do Maghreb e Assistência Básica) e oferece uma receita de xarope de açafrão para crianças com dentes nascendo.

Durante séculos, a Espanha era o maior produtor de açafrão com mais alta reputação do mundo, já que La Mancha, localizada no alto planalto central do país, produzia o que muitos cozinheiros consideravam o melhor açafrão do mundo. No entanto, atualmente, uma pouca quantidade de açafrão é realmente espanhola. O jornal espanhol El País informou que,em 2010, o país exportou 190.000 quilos, mas os campos daquele ano produziram apenas 1500 quilos. Isso significa que menos de 1% do açafrão “espanhol” era realmente cultivado na Espanha. O país importa o resto do Irã, Marrocos e Grécia, embala-o novamente e o reexporta.
Obviamente, ainda há o verdadeiro açafrão espanhol disponível. Leia as fontes pequenas da embalagem ou procure o logotipo oficial da Denominación de Origen, um desenho feito com tinta e caneta de Don Quixote em seu cavalo à frente de uma flor cor lilás cheia de vermelho e amarelo em um de seus lados. O selo é garantia de autenticidade – e qualidade. |
Enquanto a Europa é responsável por uma fração minúscula da produção global, o seu açafrão tem prestígio e proteção legal. A União Europeia concedeu o status de “designação de origem” ao “açafrão vermelho” grego – chamado de “Krokos Kozanis”, ao açafrão italiano “Zafferano dell’Aquila” e, ainda mais famoso, ao açafrão “Azafrán de la Mancha” da Espanha.
Recentemente, Taliouine começou a promover ativamente o seu produto mais famoso para além das fronteiras do Marrocos. O país criou um Festival do Açafrão de outono, obteve uma certificação de comércio justo e uma aliança com chefes italianos. A Organização de Alimentação e Agricultura (fao) das Nações Unidas está trabalhando com grupos como o Slow Food, bem como com o governo local, para dar ao açafrão de Taliouine mais identidade geográfica.
Os regulamentos mais rígidos significam uma melhor garantia de autenticidade e, portanto, de qualidade. “O governo de Marrocos desenvolveu sua própria legislação sobre a designação de origem e indicação geográfica”, explica Emilie Vandecandelaere dafao, que “correspondem àpdo [Designação de Origem Protegida) da União Europeia”. A lei de 2008 também introduziu o status um pouco menos rígido, aigp (Indicação Geográfica Protegida). A partir de agora, 25 das 35 cooperativas de açafrão de Taliouine receberam o status de protegidas.
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O açafrão também é produzido na Espanha, onde ele é um ingrediente tradicional da paella, o prato à base de arroz de Valência, localizada na costa do Mediterrâneo. Cozinhar a paella – cuidadosamente - sobre fogo aberto tosta o arroz no fundo da panela, dando ao prato outro de seus sabores essenciais. |
A designação ajudou a aumentar o valor do cultivo local. Em 2006, o açafrão de Taliouine era vendido por apenas 8 dirhams por grama, em comparação aos 30 a 50 dirhams de hoje em dia. Isso se deve ao aumento global dos preços, mas também ao resultado do statuspdo, de acordo com Lahcen Kenny, professor do Institut agronomique et vétérinaire Hassanii de Agadir, Marrocos. “Mas também houve uma estratégia de marketing bem agressiva lançada pelas associações de cultivadores e pelo conselho regional”.
A próxima etapa, segundo Vandecandelaere, “seria solicitar o registro pela Comissão Europeia, para que o produto de Taliouine também possa ser protegido nos estados membros da União Europeia”. Isso daria aos produtores relações diretas com os grandes distribuidores e lojas de varejo, eliminando a necessidade de intermediadores e mantendo os lucros localmente. O statuspdo, relativo à Europa, também seria uma poderosa confirmação da exclusividade desse produto, que é tão profundamente enraizado na terra e nas tradições de Taliouine.


Enquanto o chá de menta é a bebida nacional do Marrocos, em Taliouine, o chá de açafrão é uma bebida preferida para o inverno, especialmente para servir aos visitantes. Ele deve ser escuro, doce e aromático. Este método é o mesmo utilizado por Mahfoud Mohiydine em uma das salas de estar do andar de cima do Auberge du Safran em um fim de tarde durante a colheita de açafrão.
- Faz uma chaleira; serve 4 porções
- 10 fios de açafrão, mais 1 ou 2 fios por xícara servida
- 1 colher de chá verde ‘gunpowder’ da China em folhas
- 2 a 3 colheres de açúcar
Amasse os 10 fios de açafrão em uma chaleira ou panela à prova de calor e acrescente 720 ml / 3 xícaras de água fria. Ferva a água, retire a chaleira do fogo, deixe o açafrão em infusão e deixe a água esfriar por um minuto. Coloque o chá na chaleira, coloque-a em fogo baixo e deixe cozinhar por cinco minutos. Retire-a do fogo e acrescente o açúcar.
Passe o chá da chaleira a um copo e, depois, de volta à chaleira durante algumas vezes para misturar bem. A cor deve ser escura como caramelo dourado. Prove o chá e acrescente mais açúcar se necessário. Coloque o chá em xícaras transparentes, coloque um ou dois fios de açafrão em cada xícara e sirva quente. |

A sofisticada tajine do La Maison Arabe em Marrakech, o primeiro hotel boutique e a cozinha mais fina da cidade, utiliza uma combinação de doce e salgado que é sua marca registrada e conta com as excelentes propriedades dos bosques de cítricos localizados ao redor de Marrakech.
- Serve 4 porções
- 1 colher de manteiga em temperatura ambiente
- 1 colher de gengibre em pó
- Meia colher de ras el hanout
- Meia colher de canela em pó
- Meia colher de açafrão-da-Índia
- 1/4 de colher de pimenta do reino
branca em pó
- 1 punhado generoso de fios
de açafrão
- Sal
- 2 colheres de azeite
- 1 kg de perna de cordeiro, cortada em 8 pedaços ou peças de mesmo tamanho
- 1 pau de canela pequeno, quebrado ao meio
- 1 cebola vermelha média, cortada em pequenos pedaços
- 2 colheres de suco de laranja fresco
- 1 colher de mel
- Raspas de 1 laranja de Valência
- 50 gramas de açúcar
- 8 cravos
- 1 colher de gergelim torrado para servir
Em uma caçarola à prova de fogo ou específica para tajine, ou em uma frigideira grande e pesada, coloque a manteiga, o gengibre, o ras el hanout, a canela, o açafrão-da-Índia, a pimenta do reino branca e o açafrão. Tempere com sal. Umedeça com azeite e misture bem. Um a um, role os pedaços de cordeiro na mistura de tempero. Acrescente metade do pau de canela e pique a cebola, colocando-a por cima de tudo. Coloque o tajine em fogo médio, tampe-o e deixe-o cozinhar por 15 minutos, virando o cordeiro de vez em quando até que a carne esteja dourada e a cebola macia, mas não queimada. Acrescente 240 ml de água, tampe a panela parcialmente e deixe o prato cozinhar em calor médio a baixo por 45 minutos, mexendo-o de vez em quando. Acrescente 120 ml de água e uma colher de suco de laranja e deixe a mistura cozinhar até que a carne fique macia, o que leva cerca de mais 45 minutos. Coloque um pouco mais de água, se necessário, para manter o molho mais ralo, ou retire a tampa para evaporá-lo e espessá-lo. Misture o mel e cozinhe o cordeiro sem tampa por mais cinco minutos.
Enquanto isso, descasque a laranja e deixe-a reservada. Com uma faca, faça raspas de laranja com a parte branca da casca - mas não utilize toda a casca. Corte a casca em tiras finas e compridas, com cerca de3 mmde largura. Em uma panela pequena, ferva 120 ml de água. Acrescente as faixas da casca e uma pitada de sal e deixe cozinhar por dois minutos. Escorra e descarte o líquido e enxágue a panela. Coloque as faixas de volta na panela, cubra-as com 180 ml de água e ferva a mistura. Adicione açúcar, a outra metade do pau de canela e os cravos. Cozinhe por cerca de 20 minutos até que o líquido forme um tipo de calda e que as tiras da casca estejam macias, mas ainda al dente. Acrescente mais uma colher de suco de laranja, retire a mistura do calor e deixe-a esfriar.
Com uma faca afiada, retire as partes brancas da laranja reservada. Corte cuidadosamente ao longo das membranas, separando os segmentos e removendo as partes brancas. Coloque os segmentos em uma vasilha rasa, acrescente a calda sobre eles e deixe a mistura se impregnar até que esteja pronta para servir. Para servir, divida o cordeiro em quatro pratos e cubra-o com o molho, os segmentos de laranja e as tiras da casca caramelizada. Polvilhe o gergelim. |
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Jeff Koehler (www.jeff-koehler.com) é escritor, viajante, fotógrafo e cozinheiro. Seu trabalho já foi exibido em muitos jornais e revistas e ele foi selecionado para o prêmio The Best Food Writing 2010. Ele é autor de quatro livros de culinária, incluindo Morocco: A Culinary Journey with Recipes. Seu novo livro é Spain: Recipes and Traditions. |