uando Mutlaq ibn Gublan decidiu cavar uma birka (lagoa) para guardar água para seus camelos, ele conseguiu que uma retroescavadeira e tambores de óleo diesel fossem levados da estrada para o local em suas terras ancestrais de pasto no sudoeste da Arábia Saudita. O local que ele tinha escolhido, em meio a vales similares a dedos cortando baixos morros de arenito, estava próximo de vestígios de uma antiga cachoeira, que dava a entender que, num passado milenar, a própria natureza fornecia mais do que uma mera birka.
Ele nunca terminou sua lagoa. Enquanto supervisionava a escavação, ele conta, "vi uma pedra lisa, lapidada, saindo do chão. A reconheci como um objeto antigo e importante." Ele soube imediatamente que era uma estátua de um animal. Estava enterrada de pé, com a cabeça voltada para a superfície. "Paguei o operador e disse para que seguisse sua trilha de volta à estrada."
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Comissão Saudita de Turismo e Antiguidades |
Acima e no topo: O maior e o mais significativo, de mais de 300 artefatos encontrados até agora em al-Magar é um fragmento de escultura cuja cabeça, focinho, narinas, pescoço arqueado, ombro, cernelha e proporções gerais se assemelham às de um cavalo, embora possa representar um burro, um onagro ou um híbrido. Com oitenta e seis centímetros (34") de comprimento, 18 centímetros (7") de espessura e pesando mais de 135 kg (300 libras), é provisoriamente datado como sendo de cerca de 7.000 a.C.
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Ao longo de anos recentes, Ibn Gublan desenterrou cerca de 300 objetos de lá. Embora nenhum destes tenha sido tão grande quanto o primeiro, seus achados incluem um pequeno zoológico de pedra: avestruzes, ovelhas e cabras; alguns que podem ser peixes e aves; um bovino parecido com uma vaca (Bovidae); e um elegante perfil canino que se assemelha a uma das raças domesticadas mais antigas, o saluki do deserto. Além disso, ele encontrou almofarizes e pilões, moinhos de grãos, um pote de pedra-sabão ornamentada com detalhes geométricos, pesos provavelmente usados para a tecelagem e ferramentas de pedra que podem ter sido utilizadas no processamento de couro, assim como raspadores, pontas de flecha e lâminas, incluindo uma faca de pedra requintadamente decorada em um inconfundível design curvado da tradicional adaga árabe.
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"Eu reconheci que era um objeto antigo e importante", diz Mutlaq ibn Gublan, que cancelou sua escavação da lagoa para seus camelos quando a escavadeira atingiu a escultura do período Neolítico. "Estou feliz que, seguindo os passos de meu avô e de sua longa linha de ancestrais, eu tenha encontrado algo do coração da Arábia, que vai fundo em nossa história e nos ajuda a conectar com o passado."
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Dois anos atrás, ele carregou tudo em seu Jipe, dirigiu até Riad e doou tudo para a Comissão Saudita para o Turismo e Antiguidades (scta).
"Quando vi as peças pela primeira vez, não podia acreditar. Era, como posso dizer, incroyable," lembra-se Ali al-Ghabban, chefe de antiguidades na scta, com seu inglês com sotaque francês denunciando seus anos na Universidade de Provença. "isto é um material Neolítico," diz ele, de "uma sociedade sofisticada que possuía um alto nível de arte e artesanato como nunca vimos antes." Al-Ghabban fez com que um laboratório realizasse uma análise de radiocarbono em restos orgânicos encontrados mais tarde junto a alguns dos objetos. O material foi datado entre 6590 e 7250 a.C., ele diz.
A descoberta foi chamada de "a civilização al-Magar" devido à sua localização, um nome que significa "local de encontro" ou "sede" em um contexto tribal. As esculturas de animais - muito mais numerosas e, algumas, maiores do que qualquer uma encontrada anteriormente no oeste da Península Arábica - são as mais intrigantes. Dentre elas, a maior, que levou Ibn Gublan a parar a escavadeira, foi a que mais atraiu a curiosidade.
Com oitenta e seis centímetros (34") de comprimento, 18 cm (7") de espessura e pesando mais de 135 kg (300 libras), a escultura tem uma cabeça arredondada, pescoço arqueado, focinho, narinas, ombro, cernelha e proporções gerais que claramente lembra um equino - um cavalo, um burro, um onagro ou um híbrido. Mas o que a torna tão curiosa são as suas duas marcas distintas - uma em relevo a partir do ombro em direção à pata anterior, e a outra, feita com cuidado, até delicadamente, ao redor do focinho. A dúvida é imediata: Estariam as pessoas que habitavam al-Magar colocando uma forma primitiva de cabrestos nesses animais? Se isso for verdade, faziam isso milênios antes de quando peritos acreditam que outros o faziam.
A descoberta em al-Magar e a eletrizante questão que levantou chegam quando a Arábia Saudita enfrenta um ressurgimento do orgulho, não só em seu patrimônio arqueológico, mas também, acima de tudo, no legado e na cultura do cavalo árabe criado no deserto. A descoberta também coincide com os recentes avanços em tecnologias analíticas que podem ajudar a abordar importantes questões: Quando e onde os seres humanos começaram a deixar de caçar cavalos selvagens (Equus ferus) por comida, osso, pele e cabelo para os capturarem buscando a domesticação e sua exploração para carne, leite e transporte - um processo que deu origem à subespécie (Equus ferus caballus) que é o cavalo domesticado de hoje em dia? Este desenvolvimento histórico fundamental revolucionou o transporte e o comércio, permitiu que as pessoas se conectassem entre distâncias muito maiores, aceleraram as migrações e mudaram a conquista e a guerra. No entanto, apesar de mais de um século de arqueologia e da mais recente tecnologia genética, permanece uma questão em aberto exatamente quando, onde e como ocorreu a domesticação. A descoberta em al-Magar mostra novamente o quão aberta é esta questão.
uando Ibn Gublan tira de uma pasta um maço de recortes de jornais cuidadosamente cortados e protegidos com um plástico, em árabe e inglês, e os distribui no majlis (salão de tenda) da casa de seu irmão, é a foto da entalhada estátua equina que ocupa o lugar de honra. De uma maneira erudita, ele ajusta seus óculos de armação grossa e olha para uma fotografia do rei saudita Abdullah bin 'Abd al-' Aziz examinando os objetos no ano passado, quando a descoberta foi anunciada e os achados foram exibidos pela primeira vez a dignitários e altos funcionários do governo.
Com o chá de menta sendo preparado na lareira e o café árabe habilmente servido por seu jovem sobrinho Saud, a atenção se volta para a valiosa estátua. Ela é a a peça central de uma nova discussão arqueológica, e sua interpretação inicial é tão desafiadora e controversa como intrigante.
Uma época úmida na Arábia, iniciada após a última Era Glacial, há cerca de 10.000 anos, e que durou cerca de 5000 anos permitiu o amplo crescimento de uma flora e fauna variadas. A evidência disso é abundante na arte rupestre em todo o oeste da Península Arábica, onde representações de diversos equinos aparecem junto com outras espécies, como a onça, o hipopótamo, a hiena e a girafa, que desapareceram com o clima seco de deserto. Como e quando o cavalo surgiu é uma questão tanto de ciência emergente como de orgulho cultural saudita - este último evidenciado não só pelo orgulho de hoje com cavalos árabes, mas também pelo rico legado da poesia e lendas que remonta a tempos pré-islâmicos que cercam e celebram o cavalo árabe criado no deserto.
As esculturas de al-Magar "podem ser" equinos, diz David Anthony, autor de The Horse, The Wheel, and Language e uma das maiores autoridades sobre a domesticação do cavalo. "O equino local no sul da Mesopotâmia era o onagro; outro era o burro, introduzido provavelmente vindo do Egito. Nenhum espécime de Equus caballus foi encontrado, no meu conhecimento, em qualquer local perto da Arábia Saudita antes de 1800 a.C." Para ter-se uma conclusão, ele continua, "é preciso um achado de ossos de Equus ferus caballus em um bom contexto estratificado datado por radiocarbono."
Em março de 2010, a scta levou arqueologistas sauditas e estrangeiros e historiadores da antiguidade para al-Magar para uma breve pesquisa durante o dia. A equipe se espalhou e, em poucas horas, coletaram mais objetos de pedra, incluindo ferramentas e outra estátua parecida com um cavalo. Também peneiraram quatro amostras de ossos queimados, posteriormente utilizadas para datarem o local usando radiocarbono. A data, cerca de 9000 anos antes dos dias atuais, coincide com o período no qual os habitantes dos primeiros assentamentos conhecidos na Arábia e no Levante, já começando a cultivar plantações, também começavam a domesticar animais.
Com a área agora monitorada para prevenir escavações ilegais, a scta está preparando pesquisas detalhadas e escavações que devem durar anos. "Esta descoberta impressionante reflete a importância do local como um centro cultural e poderia ser o berço de uma civilização pré-histórica avançada, que testemunhou a domesticação de animais pela primeira vez durante o período Neolítico", diz al-Ghabban. "Agora, precisamos saber mais."
odas as provas atuais apontam para a planície da Eurásia, e provavelmente não muito antes de 4000 a.C.," como o lugar e o tempo no qual o cavalo foi domesticado pela primeira vez, diz a zooarqueóloga Sandra Olsen, diretora de antropologia e diretora do Centro de Culturas do Mundo do Museu Carnegie de História Natural. Olsen estuda o papel dos cavalos nas culturas humanas desde 1975 e é pioneira em pesquisas sobre a domesticação do cavalo. Ela e seus colegas documentaram a evidência mais antiga de cavalos domésticos conhecida até hoje: É de cerca de 3500 a.C., do norte do Cazaquistão.
Em 2010 e 2011, Olsen se juntou, na Arábia Saudita, à Majid Khan, um especialista em arte rupestre da Arábia, para uma pesquisa em todo o reino sobre a já conhecida arte rupestre que mostra equinos - e para uma busca de novas descobertas. Khan passou as últimas três décadas investigando petróglifos sauditas. Ele estima que existam mais de 1000 que retratam equinos como animais caçados, cavalgados ou de trabalho. Ele acredita que os mais antigos entre eles remontam ao período Neolítico - embora atribuir datas exatas seja notoriamente difícil.
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Al-Magar está entre as colinas baixas e os vales arenosos do sudoeste da Arábia Saudita, que até 4000 ou 5000 anos atrás era tão verdejante como a savana Africana hoje em dia.
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Dadas as limitações do registro arqueológico, como os arqueólogos fazem progressos na identificação de onde e quando o longo processo de domesticação realmente começou? Olsen descreve a abordagem de sua equipe como "holística" ou, simplesmente, "reunir o máximo de provas possível, seja direta ou circunstancialmente". Nas estepes da Ásia, ela acrescenta, "também utilizamos uma abordagem 'de cabeça para baixo': Se os ossos de cavalos pré-históricos são difíceis de decifrar, então por que não olhar para o assentamento e para indícios do estilo de vida humano para provar que foram afetados pela domesticação do cavalo?"
De acordo com al-Ghabban, é tal abordagem multidisciplinar que será aplicada em al-Magar, onde entre os especialistas estarão zooarqueologistas, geoarqueologistas, arqueobotanistas, paleoclimatologistas, petrologistas, paleontólogos, autoridades sobre a domesticação de flora e fauna e arqueogeneticistas, que provavelmente serão convocados para utilizar a relativamente nova análise de DNA mitocondrial (mtDNA). O que torna a análise de mtDNA especialmente útil é que, ao contrário de DNA nuclear, o mtDNA reside fora do núcleo da célula, o que significa que é herdado exclusivamente através da linha materna, intocável de geração em geração. Estudos de mtDNA que comparam uma série de raças de cavalos domésticos revelam uma alta diversidade entre linhas maternas, ou matrilinhas. Esta diversidade, diz Olsen, suporta a teoria de que a domesticação do cavalo ocorreu em um número de lugares diferentes, em momentos diferentes. "Não houve uma égua ancestral que foi a 'Eva' de todos os animais domésticos", diz ela.
Para apoiar esse conceito, há um estudo publicado em janeiro na revista National Academy of Sciences dos EUA que examina a taxa de mutação do mtDna equino. Ele não só conclui que comunidades na Ásia e na Europa domesticaram cavalos de forma independente mas também sugere o quão distante no tempo tais eventos de domesticação podem ter ocorrido. Alessandro Achilli, professor assistente de genética do Departamento de Biologia Celular e Ambiental da Universidade de Perugia, na Itália, coletou genomas mitocondriais maternalmente herdado de cavalos que vivem na Ásia, Europa, Oriente Médio e nas Américas. Como a mutação de mtDNA ocorre em uma taxa conhecida, estas amostras permitiram a ele traçar a ancestralidade materna utilizando uma espécie de "relógio molecular."
naturefolio / alamy; blickwinkel / alamy; daniel pickering |
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Espécies equinas conhecidas pelo homem do Neolítico na África e Ásia incluíam o burro selvagem africano, Equus africanus somalicus, acima, o onagro, Equus hemionus onagro, à direita, e o cavalo selvagem primitivo, Equus ferus, do outro lado, dos quais as espécies atuais de cavalos domésticos são descendentes.
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Sua equipe identificou linhas maternas descendentes de forma inequívoca a partir de diferentes ancestrais do sexo feminino. "Isso significa que várias linhas de cavalos fêmeas foram domesticadas ao longo do período Neolítico - durante os últimos 10 mil anos - em vários locais da Eurásia, possivelmente incluindo a Europa Ocidental", diz Achilli. "O próprio fato de que muitas éguas selvagens foram domesticadas de forma independente em diferentes lugares atesta como os cavalos têm sido significativos para a humanidade. Domar esses animais poderia gerar o excedente de alimentos necessário para suportar o crescimento das populações humanas e da capacidade humana para se expandir e se adaptar a novos ambientes, ou poderia facilitar o transporte." Achilli acrescenta que "infelizmente, não temos idéia sobre a localização exata dos eventos de domesticação," uma questão que somente as amostras de dna arqueológicas poderiam responder.
Olsen, embora inclinada a concordar, adverte contra aceitar isso como uma espécie de palavra final. Ela argumenta que seres humanos e animais selvagens, assim como os cavalos, todos têm diferentes linhas maternas. "Acredito que essas múltiplas matrilinhas são o resultado de antigos criadores de cavalo ocasionalmente capturando e adicionando éguas selvagens em suas populações reprodutoras", diz ela. E, acrescenta, por outro lado "éguas domesticadas podem ser 'roubadas' pelos garanhões selvagens e incorporadas em seus haréns."
Não importando como aconteceu, o cenário geralmente aceito de múltiplos eventos de domesticação separados realmente traz a tentadora possibilidade de que a Península Arábica teve o seu próprio evento de domesticação de cavalos; o último período úmido da Península pode parecer uma época ideal para isso ter ocorrido - se de fato ocorreu. Embora a domesticação árabe implique que houveram cavalos selvagens trotando pelas paisagens verdejantes de savana, Olsen acredita que essa imagem não é suportada pelos petróglifos que ela viu no país, nem por quaisquer restos de esqueletos, que ainda não foram encontrados. Embora ela aceite que asnos selvagens ou onagros são mostrados sendo caçados nos petróglifos neolíticos sauditas, ela afirma que os primeiros cavalos que ela viu na Península são aqueles representados com carruagens, e estes, diz ela, "são no máximo de 2000a.C." Isso mostra "por que eu acredito que é importante fazer a distinção entre asnos selvagens e hemiones [onagros] em relação aos cavalos."
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Cavalos inequivocamente domesticados aparecem em pinturas rupestres que datam do segundo ou final do terceiro milênio a.C. O caçador montado, acima, à esquerda, e a carruagem de dois cavalos, acima, à direita, são ambos do noroeste da Arábia Saudita. A carruagem de aparência similar, abaixo, à esquerda, foi desenhada no sul da Líbia.
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lars bjurstrom / sawdia; richard t. bryant; roberto esposti / alamy; bridgeman art library |
omo em qualquer trabalho de detetive, um dos grandes perigos é uma prova falsa. Quase meio século atrás, na Ucrânia, um arqueólogo soviético descobriu o crânio e os ossos inferiores da perna de um jovem garanhão em Dereivka, perto das margens do rio Dnieper. Análises de radiocarbono dataram a descoberta em 4200 a 3700 a.C., e os pré-molares do garanhão mostravam um pouco de desgaste. Arqueólogos soviéticos confiantemente pronunciaram que o local era uma prova da domesticação do cavalo. No entanto, a importância da descoberta desmoronou quando uma data de radiocarbono mais detalhada mostrou que os restos eram aquilo que os arqueólogos chamam de "depósito intrusivo", colocado lá por citas da Idade do Ferro no primeiro milênio a.C.
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Este simples, até bruto, petróglifo próximo de al-Magar pode mostrar um cavaleiro montado.
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Posteriormente, os estudos têm procurado não só evidências de cavalos sendo montados, mas também a evidência de que eram criados. A atenção se voltou para o leste, para além dos Montes Urais, nas marchas do norte do Cazaquistão, onde, na década de 1980, perto de uma pequena aldeia chamada Botai, Viktor Zaibert, da Universidade Kokshetau, desenterrou ossos de cavalos - 300.000 deles.
Zaibert, colaborando com arqueólogos americanos e britânicos, encontrou vestígios de desgaste nos dentes da parte inferior da mandíbula, revelando que por volta de 3.500 a.C. alguns dos cavalos em Botai estavam provavelmente atrelados - para fins de trabalho, de montaria ou ambos.
Olsen estava entre os colaboradores de Zaibert, e ela identificou em Botai vestígios de currais e de materiais para tetos que continham esterco de cavalo, assim como sinais de sacrifícios cerimoniais. Ela também encontrou ferramentas usadas para fazer tiras de couro que podem ter servido como freios ou travas. Isso é paralelo a algumas das ferramentas de pedra encontradas em al-Magar, que apontam, também, para a probabilidade de processamento de couro ou fibras, o que poderia estar associada a itens para os cavalos. Mas, por mais significativas que as evidências indiretas possam ser, uma das lições de Botai é que se al-Magar deve nos fornecer alguma informação, será de que não é necessário apenas uma taxonomia confiável da estatuária, ou a interpretação dos artefatos, mas também os restos orgânicos.
Foi Alan Outram, professor de ciência arqueológica na Universidade de Exeter, que encontrou resíduos de gordura absorvida na cerâmica Botai que mais tarde foram determinados como sendo de leite ao invés de carne. A proliferação avassaladora de ossos de cavalo no site logicamente sugeriu leite de égua, que até hoje continua a ser uma bebida popular tradicional em toda a Ásia Central. Os milhares de ossos de cavalo, encontrados em 150 poços de casas, mostram que esses cavalos eram magros, como cavalos domésticos da Idade do Bronze, mais avançada, distintos dos cavalos selvagens mais robustos que outrora habitaram as terras da Eurásia desde as estepes até a Ibéria. No entanto, "em nossa ciência é muito difícil determinar se o cavalo foi domesticado ou não. A resposta para essa pergunta é baseada em um estudo complexo de todos os contextos da cultura material", diz Zaibert.
Olsen mira nos ossos: "Caçadores abandonam ossos pesados de baixa utilidade em locais de matança distantes, enquanto pastores matam seus animais domésticos dentro ou perto de sua vila. Neste último caso, todos os ossos do esqueleto são encontrados no local de origem, e é isso o que exatamente ocorre nos locais de Botai". Análises do solo em recintos em um dos sítios em Botai identificaram elevados níveis de fosfato e de sódio, indicando que o estrume e urina estavam presentes dentro daquilo que provavelmente eram currais; Olsen encontrou sinais de buracos para postes em torno de alguns destes, reforçando a idéia de que as pessoas em Botai encurralavam alguns dos os seus cavalos. Estes recintos, assim como casas estabelecidas em círculos e linhas, apontam para uma espécie de organização social que poderia prestar-se à domesticação do cavalo.
Assim como Botai incluía assentamentos desenvolvidos, a descoberta em al-Magar inclui vestígios de estruturas de pedra. Abdullah al-Sharekh, um arqueólogo na Universidade King Sa'ud, esteve entre os primeiros peritos no local. Ele ficou impressionado com o grande número de restos de estruturas de pedras espalhados conectados ao assentamento e com sinais de atividade agrícola visto ao redor do local, bem como nos topos das colinas circundantes, incluindo muros erguidos ao longo de suas encostas. As estátuas enterradas foram todas encontradas dentro das ruínas de um edifício. "Nada desse tamanho foi encontrado na Arábia antes, e as evidências estratigráficas farão disto talvez o sítio mais importante da Arábia Saudita", diz al-Sharekh. "Em um contexto regional, uma descoberta de tal variedade deve ter significado. Ela pode nos dizer sobre os aspectos sociais e sobre a cultura dos povos que viveram aqui, sobre a domesticação, o comércio e a migração e, talvez, sobre alguma importância ritualística primitiva", diz ele, acrescentando que "uma pausa é necessária antes de podermos julgar."
Também presente na equipe de pesquisa inicial da scta estava Michael Petraglia, um especialista em arqueologia paleolítica e em tecnologias de ferramentas de pedra na Península Árabe. Ele encontrou rapidamente em al-Magar um horizonte histórico ainda mais antigo. Junto aos achados neolíticos, ele encontrou ferramentas de pedra lascada, como raspadores, cuja idade pode ser superior a 50 mil anos. Al-Magar "era um ambiente atrativo para a atividade humana ao longo de diversos períodos," diz ele. "Isto é muito importante não só para o sítio mais recente, mas também pelo que pode nos dizer sobre flutuações climáticas entre períodos secos e úmidos no passado."
Isto também torna al-Magar mais intrigante, como um possível local de domesticação primitiva de cavalos. A faixa em baixo relevo da escultura do equino, que pode representar um cabresto, não é única: Outras estátuas de equinos menores no sítio também possuem faixas em seus ombros. Há também, na maior delas, a incisão ao redor do focinho, até a metade da mandíbula superior, que lembra uma faixa no nariz. Será que estas características retratam arreios ou representam aspectos naturais do próprio animal, como a musculatura ou marcas no pelo? (Esta questão foi levantada anteriormente: Nos anos 1980, analistas de pinturas paleolíticas em cavernas francesas reivindicaram que determinadas marcas em cavalos indicavam cabrestos e, consequentemente, sugeriam que a domesticação na Europa pode ter se iniciado há até 25 mil anos. Autoridades mundiais, incluindo Olsen, desmascararam isso, mostrando que as marcas retratavam características corporais e padrões no pelo, não cabrestos.)
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Alan Outram espera pela oportunidade de examinar dentes de cavalo que possam ser encontrados em al-Magar para ver se mostram efeitos característicos do desgaste causado por pedaços de couro.
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Antes da utilização de metais, cabrestos, rédeas e outros arreios eram feitos inteiramente a partir de materiais naturais, e entre os achados em al-Magar estão instrumentos de pedra que podem ter sido usados para produzir longas tiras de couro de peles de ovelhas, cabras ou equinos. Al-Ghabban está particularmente intrigado com uma pedra negra semi-esférica com uma fenda profunda e arredondada desgastada. Linhas curiosas se encontram em ambos os lados da fenda. "Nunca vimos nada assim antes, e devemos estudar cuidadosamente esta peça e o que ela nos diz sobre o processamento do couro e como fazer cordas", diz ele.
Outram explica o seu significado em potencial. "À medida que uma cultura se desenvolve e distancia de caça e colheita para atividades como a criação de cavalos, o conjunto de ferramentas que as pessoas usam muda. Encontramos mais raspadores que projéteis pontiagudos, assim como ferramentas de processamento totalmente novas", diz ele, apontando para ferramentas similares em sítios em Botai como suavizadores de tiras de couro feitos de ossos de mandíbulas de cavalos. Outram realizou simulações em laboratório utilizando ferramentas recriadas a partir de mandíbulas de cavalos, processando tiras que poderiam ter sido utilizadas como arreios ou amarras.
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Joshua franzos |
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Sandra Olsen, no topo, encontrou a mais antiga evidência concreta sobre a domesticação de cavalos até hoje, em 3500 a.C., em Botai, no norte do Cazaquistão, onde resquícios orgânicos em sítios de casas, acima, ajudam a vegetação a crescer mais espessa e mais verde.
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Arreios feitos de material orgânico raramente sobrevivem no registro arqueológico, portanto ferramentas de pedra, petróglifos e o desgaste dental equino devem fornecer a evidência em equinos anteriores à era do metal. Para estabelecer se partes macias deixam padrões de desgaste dental, e como estes devem ser, David Anthony foi o pioneiro em experimentos com pedaços feitos de cânhamo, couro e corda de crina, que ele mantinha no lugar com peças feitas com ferramentas de pedra. Comparando o antes e o depois dos moldes dentais equinos, ele descobriu que os pedaços orgânicos criavam um desgaste chanfrado que, de fato, difere dos padrões de abrasão de pedaços de metal conhecidos.
"A data na qual o Equus caballus foi introduzido no norte e leste da Arábia tem sido debatido desde o século XIX", diz Michael Macdonald, um associado de pesquisa na Faculdade de Estudos Orientais da Universidade de Oxford. Escrevendo há 15 anos sobre o cavalo na Arábia pré-islâmica, ele explica que deve-se esperar controvérsia até que mais pesquisas sejam realizadas. "Muitos anos passarão até que surja um quadro coerente," diz ele.
Mas não há controvérsia de que al-Magar constitui uma descoberta significativa. Para Khan, representa o mais antigo assentamento neolítico conhecido na Península Arábica e fornece "evidências sólidas e inegáveis da presença e da domesticação dos cavalos na Arábia." Ele suporta sua reivindicação não só com a estatuária mas também com a descoberta, em um local a poucos minutos de caminhada do sítio, de petróglifos mostrando avestruzes, cães e íbex. Uma imagem, profundamente cravada na rocha e com uma pátina pesada de óxidos construída ao longo de milênios, aponta para uma figura montada em um animal. Khan está convencido de que retrata um cavaleiro e um cavalo, e ele a considera neolítica, contemporânea com a arte rupestre mais antiga que ele estudou profundamente em Jubbah, perto de Hail, no norte da Arábia Saudita.
Outros se mantêm cautelosos. Juris Zarins, arqueólogo-chefe da expedição que em 1992 descobriu a cidade "perdida" de 'Ubar e que trabalhou nos primeiros dias da arqueologia na Arábia Saudita, em 1970, diz que ele "não está surpreso" com os achados pois al -Magar pertence a uma região que é "um viveiro arqueológico", e que "não está fora do domínio da possibilidade" que as marcas possam ser os primeiros sinais de domesticação. "Não houve exploração o suficiente realizada na Arábia", diz ele, "e novas descobertas como esta podem mudar as coisas." Quaisquer que sejam as espécies que as esculturas representem, ele concorda que as marcas no nariz em particular podem ser relevantes. "Na Arábia, no período neolítico, temos pedras de amarras, que os arqueólogos dizem representar as primeiras tentativas de domesticação. Acredito ser um Equus asinus [asno selvagem africano]. É possível que estão tentando fazer algo com ele, com base na cabeça. A domesticação mais antiga sugerida do Equus asinus no Levante é geralmente vista como realizada em 3500 a.C. Se for verdade, isto pode representar o início de um processo de domesticação que levou muito mais tempo do que o esperado."
Olsen alega um estudo cuidadoso. A faixa ereta poderia, segundo ela, representar características naturais do animal, podendo até ser uma trava para prender a escultura a uma parede. "E onde está a crina?" , ela pergunta, elaborando que seria de se esperar que uma estatuária de equinos exibissem tal característica, seja ela ereta, como em cavalos selvagens, ou caídas, como em cavalos domesticados. "O que é claramente necessário agora", diz ela, "é uma análise anatômica detalhada e especializada de todos as cabeças de animais, a fim de avaliar a sua identificação taxonômica."
Além disso, a descoberta de al-Magar, diz ela, "é extremamente importante para lançar luz sobre uma cultura aparentemente nova, que existia em um nível sofisticado em uma região local que antes não era conhecida por isso."
Mutlaq ibn Gublan recorre a uma vida gasta com rebanhos domésticos, incluindo, é claro, camelos. Ele bebe o seu café e diz: "Quando eu vi a peça, e a grande marca sobre ela, primeiro pensei que era um boi. Mas então a sua face me disse que era um cavalo. Estou feliz que, seguindo os passos de meu avô e de sua longa linha de ancestrais, eu tenha encontrado algo do coração da Arábia, que vai fundo em nossa história e nos ajuda a conectar com o passado." O que aquela coisa é, por ora, permanecerá um mistério.
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Peter Harrigan (harrigan@fastmail.fm), um colaborador freqüente desta revista, é um pesquisador visitante no Instituto de Estudos Árabes e Islâmicos na Universidade de Exeter e editor de comissionamento de quatro livros sobre cavalos árabes. Ele vive na ilha de Wight. |
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